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Uma série de ações da Rússia na guerra da Ucrânia, recentemente desencadeadas, mostra que está em curso uma estratégia para testar os limites políticos e militares da OTAN.
Primeiro, no último dia 21 de agosto, a Rússia lançou um ataque aéreo com drones e mísseis que destruiu uma fábrica de equipamentos eletrônicos da empresa norte-americana Flex, localizada no oeste da Ucrânia, nas proximidades da fronteira com a Hungria. Até onde se sabe, a instalação não produzia nenhum material de uso militar.
Exatamente uma semana depois, em 28 de agosto, em meio a um grande ataque aéreo contra Kiev, duas instituições europeias foram severamente danificadas: a missão diplomática da União Europeia e os escritórios do British Council, braço cultural e educacional do Reino Unido no exterior.
As respostas a ambos os episódios, tanto por parte dos EUA quanto dos europeus, foram bastante tímidas, resumindo-se a protestos diplomáticos sem maiores repercussões.
Na semana passada, dezenove drones russos, vindos do território da Bielorrússia, entraram em espaço aéreo polonês, o que levou ao acionamento das defesas da OTAN. Caças poloneses e holandeses, orientados por uma aeronave de alerta e controle italiana, abateram vários desses drones.
O incidente, embora não tenha resultado em mortes ou danos relevantes, foi de extrema gravidade: nunca, desde a criação da aliança militar, a OTAN havia abatido aeronaves inimigas no espaço aéreo de um de seus estados-membros.
Sentindo-se ameaçada, a Polônia acionou o Artigo 4º do Tratado do Atlântico Norte, que prevê consultas entre os aliados sempre que a integridade territorial, a independência política ou a segurança de um dos membros estiver sob ameaça.
Os russos não confirmaram nem negaram a presença de seus drones em espaço aéreo polonês, mas rejeitaram a ideia de que houvesse, na Polônia, qualquer alvo de interesse militar.
Diversos líderes europeus, contudo, consideraram as incursões uma provocação deliberada. O episódio ganhou ainda mais importância por ter ocorrido às vésperas do início do Zapad 2025, exercício militar conjunto russo-bielorrusso que começou no último dia 12 e prosseguirá nesta semana, em território da Bielorrússia.
Vale lembrar que, da última vez em que foram realizadas, no final de 2021, essas mesmas manobras Zapad serviram de cobertura para a concentração de meios militares russos que antecedeu a invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022.
Em reação ao exercício no país vizinho, os poloneses fecharam a fronteira com a Bielorrússia, instalando barreiras físicas inclusive sobre as linhas ferroviárias que ligam os dois países. A medida afeta tanto o tráfego de carga quanto o de passageiros, deixando todos os acessos terrestres bloqueados, sem previsão de reabertura.
Como contramedida, o presidente Emmanuel Macron anunciou que a França enviou três caças Rafale para a Polônia, reforçando o poderio aéreo da OTAN permanentemente desdobrado naquele país.
Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, as respostas norte-americanas têm apontado cada vez mais para um afastamento da questão. O presidente Donald Trump publicou em sua rede social uma carta dirigida “a todas as nações da OTAN e ao mundo”. Nela, impôs duas condições para uma ação mais firme dos EUA contra a Rússia: (1) que todos os países da OTAN deixem de comprar petróleo russo; (2) que a OTAN imponha tarifas punitivas à China (de 50% a 100%), a serem retiradas apenas após o fim da guerra.
Trump sabe, porém, que, embora os europeus já tenham reduzido drasticamente as importações de petróleo e gás russos, é impossível cortar completamente esse fornecimento no curto prazo.
Aliás, dois dos maiores compradores de energia russa são justamente a Hungria e a Eslováquia, países que se opõem a novas rodadas de sanções contra Moscou e cujos primeiros-ministros, Viktor Orbán e Robert Fico, mantêm excelentes relações com Trump. Por outro lado, ele também tem consciência de que não existe a menor chance de os países da OTAN aceitarem tarifas de 50% a 100% sobre as exportações da China.
Na mesma carta, Trump voltou a afirmar que a guerra nunca teria começado se ele estivesse na presidência e declarou que, se suas condições não forem atendidas, os europeus estarão apenas desperdiçando o tempo dele, além da energia e do dinheiro dos EUA.
Assim, a sucessão de provocações russas e a ambiguidade da posição norte-americana compõem um teste calculado: Moscou mede não apenas a capacidade militar, mas também a coesão política da aliança.
Se esse movimento se consolidar, a OTAN enfrentará seu maior desafio desde a Guerra Fria — provar que continua sendo uma aliança dissuasória capaz de responder a ameaças, mesmo sem o mesmo grau de apoio dos Estados Unidos.




