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Os EUA e o Irã estão envolvidos em negociações acerca do programa nuclear do país islâmico. São conversas difíceis, em um momento em que o estágio de desenvolvimento iraniano neste campo indica que falta muito pouco para que o país tenha a capacidade de construir a arma atômica, algo inadmissível para os americanos.
Nesse contexto, uma pergunta é básica: o Irã quer ter a bomba? A resposta oficial é simples e clara: não. Uma fatwa (decisão legal com base na lei islâmica), emitida pelo líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei, proíbe a aquisição, o desenvolvimento e a utilização da arma nuclear.
Entretanto, fatwas podem ser alteradas, e algumas declarações de autoridades iranianas deixam essa possibilidade em aberto. Em março deste ano, Ali Larijani, conselheiro de Khamenei, afirmou que seu país “poderia ser forçado a tomar essa direção” caso, por exemplo, os EUA ou Israel decidam bombardear o Irã.
Desde uma perspectiva teórica realista, o Irã possuir a bomba faz todo sentido. John Mearsheimer, autor do chamado realismo ofensivo, pontua que as armas nucleares são consideradas o melhor meio de dissuasão por um motivo simples: é improvável que adversários ameacem a existência de um Estado detentor de tais armas.
Assim, seria difícil imaginar, por exemplo, que Israel ou os Estados Unidos atacassem o Irã se o país já tivesse a bomba, simplesmente porque haveria o risco de que a escalada levasse ao uso do armamento nuclear.
A história ajuda a comprovar o ponto de Mearsheimer. Se o ditador Kim Jong-un, da Coreia do Norte, amparado por seus mísseis e armas nucleares, se mantém no poder há mais de uma década e uma ação militar contra seu país parece altamente improvável, outros ditadores, que não chegaram a obter essas capacidades, como o iraquiano Saddam Hussein, terminaram mortos por seus inimigos.
Um acordo que efetivamente levasse o Irã a desistir da arma atômica, estando tão perto de obtê-la, portanto, deveria oferecer incentivos (positivos e negativos) e garantias suficientemente fortes para convencer os iranianos a correrem o enorme risco de abrir mão dessa capacidade.
O primeiro e mais óbvio instrumento de coerção é a ameaça de uma ação militar israelense ou americana contra as instalações nucleares do país.
A questão em aberto é a efetividade desse tipo de ataque. O Irã é um país de geografia bastante acidentada, e suas duas grandes cordilheiras, Zagros e Elburz, oferecem as montanhas nas quais as instalações nucleares foram escavadas — verdadeiros bunkers, muito difíceis de serem atingidos.
Por outro lado, a troca de ataques entre Irã e Israel, ocorrida no ano passado, mostra que os iranianos possuem uma capacidade de contra-ataque efetiva, o que pode impor certo grau de dissuasão aos planejadores israelenses e americanos.
Um segundo elemento de pressão sobre o Irã são as sanções econômicas e comerciais às quais o país está submetido, em razão dos embargos impostos principalmente pelos EUA e pela União Europeia já há vários anos.
Reforçando essa estratégia, logo nos primeiros dias de seu novo mandato, antes, portanto, do início das atuais negociações, o presidente Trump expediu um “Memorando Presidencial de Segurança Nacional” no qual definiu a retomada da política de “pressão máxima” sobre o Irã.
Essas medidas internacionais, somadas à incapacidade governamental de fazer frente aos problemas internos, têm castigado a população iraniana, com reflexos políticos
O país enfrenta uma severa crise econômica, caracterizada por alta inflação, baixo crescimento e desvalorização da moeda, o que leva a uma crescente insatisfação popular com os rumos do governo.
Em março, o parlamento votou pelo impeachment do ministro da Economia e Finanças, Abdolnaser Hemmati, responsabilizando-o pela piora das condições econômicas do país.
Além disso, a guerra entre Israel e o Hamas teve reflexos sobre os principais aliados regionais do Irã: o próprio Hamas está sendo destruído, Bashar al-Assad foi destituído do poder na Síria, e o Hezbollah, no Líbano, bem como os Houthis, no Iêmen, estão bastante enfraquecidos.
Apesar do peso das sanções, apenas a pressão negativa pode não ser suficiente para levar o Irã a abrir mão de uma capacidade tão estratégica. Incentivos positivos — como o alívio gradual das sanções, garantias de segurança ou reintegração econômica — poderiam compor uma abordagem mais eficaz, caso acompanhados de mecanismos de verificação robustos.
Os EUA contam com esse momento de enfraquecimento do chamado “Eixo da Resistência”, bem como da crise econômica interna, para pressionar o Irã a aceitar suas exigências. No entanto, esse cálculo envolve riscos: a pressão externa pode reforçar o sentimento nacionalista iraniano e levar a população a se unir em torno do regime, em vez de provocar sua erosão.
O dilema, portanto, é claro: quanto mais perto o Irã estiver da bomba, mais difícil será dissuadi-lo de alcançá-la; e quanto mais forte for a pressão externa, maior o risco de um fechamento interno em torno do regime. Entre ameaças e incentivos, o futuro da questão nuclear iraniana dependerá de um jogo em que erros de cálculo podem custar muito caro.
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Conteúdo editado por: Aline Menezes




