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Na última quarta-feira, dia 29 de janeiro, o General de Divisão Ulisses de Mesquita Gomes, do Exército Brasileiro, foi nomeado pelo Secretário-Geral da ONU como Comandante da MONUSCO, a Missão de Estabilização da ONU na República Democrática do Congo (RDC).
Ele assume o cargo em um momento crítico: a guerra civil no leste do país se intensifica rapidamente, resultando na morte de 17 militares da ONU, além de milhares de combatentes e de civis, e forçando a fuga de mais de um milhão de pessoas nos últimos dias.
O leste da RDC, parte da região dos Grandes Lagos da África, uma das regiões mais ricas do mundo em minérios estratégicos, tem sido palco de conflitos há décadas. Desde o genocídio na vizinha Ruanda, em 1994, a instabilidade se espalhou pelo país, resultando em duas grandes guerras (1996-2003) que envolveram diversos países africanos e causaram, direta ou indiretamente, até 5 milhões de mortes.
No entanto, diferentemente de outras crises globais, o drama congolês ainda não despertou reações firmes nem das grandes potências, nem de organismos internacionais, que seguem incapazes de deter a destruição.
O grupo rebelde M23, criado em 2012 com o apoio decisivo do governo de Ruanda, desempenha um papel central na atual escalada do conflito. Composto majoritariamente por tutsis congoleses, o grupo insurgiu-se contra o governo da RDC na região de Quivu, chegando a ocupar, por um curto período, a estratégica cidade de Goma.
A ofensiva levou à intervenção militar da ONU, cujas tropas, à época sob o comando do general brasileiro Santos Cruz, conseguiram derrotar os rebeldes. No entanto, a fragilidade do Estado congolês e a inação da comunidade internacional permitiram que o M23 se reorganizasse em 2017 e, nos últimos meses, lançasse uma nova e intensa ofensiva, reacendendo a instabilidade na região.
Agora, o grupo lidera a Aliança do Rio Congo, uma coalizão de grupos rebeldes que desafia o governo congolês e seus aliados em um cenário de guerra altamente fragmentado. O M23 tem avançado rapidamente sobre Quivu do Norte e tenta expandir sua presença para Quivu do Sul, ameaçando a cidade de Bukavu.
No entanto, nos últimos dias, uma contraofensiva do Exército congolês, apoiado por tropas do Burundi, conseguiu recuar os rebeldes de várias aldeias entre Goma e Bukavu.
O emprego das forças do Burundi é mais um indicador da crescente regionalização do conflito, um risco que o presidente burundês Évariste Ndayishimiye já havia alertado. "Se não há paz no Leste da RDC, não há paz na região", declarou o chefe de Estado do Burundi, pedindo maior empenho da comunidade internacional na mediação da crise.
A guerra envolve múltiplos atores internacionais. Além da MONUSCO, há forças militares da Comunidade de Desenvolvimento da África do Sul (SADC) e mercenários estrangeiros vindos principalmente de países europeus, como França, Romênia, Bielorrússia e Rússia, que prestam apoio ao exército congolês.
Segundo estimativas da ONU, entre 3 mil e 4 mil soldados ruandeses estariam combatendo ao lado do M23, embora o governo de Ruanda negue qualquer envolvimento oficial. A RDC, por sua vez, acusa Ruanda de ter ambições expansionistas e de buscar o controle das riquezas minerais do leste congolês.
De fato, os interesses econômicos são a espinha dorsal do conflito. Embora o M23 alegue lutar pela proteção da minoria tutsi contra perseguições do governo congolês, a principal disputa gira em torno do controle da mineração.
Um dos minérios mais cobiçados na região é o coltan, uma mistura de columbita e tantalita. Esta última é fundamental para a fabricação de celulares, notebooks e computadores automotivos.
O leste da RDC é responsável por pelo menos 40% da produção mundial desse minério estratégico, essencial para indústrias tecnológicas globais.
Nas áreas que controla, o M23 já emitiu licenças de mineração próprias, consolidando um esquema de extração e comércio que gera lucros estimados em mais de US$ 800 mil por mês, segundo especialistas da ONU. Esse financiamento reforça a capacidade militar do grupo, tornando sua derrota mais difícil.
A crise humanitária se agrava rapidamente. Desde o dia 26 de janeiro, quando o M23 ocupou Goma, pelo menos 700 pessoas foram mortas e mais de 2.800 ficaram feridas, a maioria civis, segundo a ONU.
O avanço do grupo tem provocado um novo êxodo, com centenas de milhares de deslocados fugindo da região e temendo a escalada da violência
O presidente da RDC, Félix Tshisekedi, tentando demonstrar que seu país responderá com firmeza, convocou um recrutamento em massa para reforçar as fileiras do exército e prometeu uma ofensiva decisiva contra os rebeldes. Além disso, criticou a inação da comunidade internacional, alertando para o risco de uma guerra ainda maior caso Ruanda não seja contida.
A escalada já gera repercussões regionais. A África do Sul, que perdeu 13 soldados da MONUSCO em ataques recentes do M23, declarou que novas investidas contra suas tropas poderiam ser interpretadas como uma "declaração de guerra". Esse alerta não pode ser ignorado. Caso Pretória se envolva diretamente no conflito, a guerra conflagrará toda a África Central.
A escolha do General Ulisses para liderar a missão da ONU neste momento crítico reforça o alto nível de confiança que os militares brasileiros conquistaram em operações de paz internacionais.
Entretanto, sua tarefa não será fácil: a MONUSCO enfrenta crescente hostilidade de setores da população congolesa, que a acusa de ineficácia, e opera sob um mandato que pode ser insuficiente diante da atual escalada da guerra.
Se a crise continuar se agravando, a ONU e a comunidade internacional precisarão decidir até que ponto estão dispostas a intervir para evitar que o leste da RDC seja o estopim do próximo grande conflito regional da África.
Conteúdo editado por: Aline Menezes




