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Paulo Filho

Paulo Filho

EUA-China

Do TikTok a Taiwan: os impasses entre Trump e Xi Jinping

Trump e Xi retomam diálogo e planejam encontro, mas tarifas e disputas geopolíticas mostram que a normalidade segue distante entre EUA-China. (Foto: Sergey Bobylev/Jim Lo Scalzo/EFE/EPA/SPUTNIK/KREMLIN POOL)

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Os presidentes Trump, dos Estados Unidos, e Xi Jinping, da China, conversaram por telefone na última sexta-feira. Em condições normais, um telefonema entre os dois líderes seria tratado com naturalidade e não mereceria mais do que uma nota de rodapé nos principais jornais. Entretanto, acabou recebendo grande destaque na imprensa, em mais um sinal de que não vivemos dias de normalidade nas relações internacionais.

Após as conversas, que ambos os lados consideraram “boas e produtivas”, Trump anunciou em sua rede social que havia feito um acordo para que o aplicativo chinês TikTok continuasse em operação nos EUA e, a repórteres, afirmou ter tratado com Xi sobre vários temas, incluindo Rússia, Ucrânia e Faixa de Gaza.

Também foi divulgado que os dois líderes se reunirão pessoalmente no final de outubro, em Seul, durante a próxima cúpula do Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC). A última vez que os presidentes se encontraram foi em 2018, no primeiro mandato do norte-americano.

Seria ótimo, de fato, se as relações entre as duas potências caminhassem para uma maior normalidade. Boas relações entre EUA e China são fundamentais não apenas para ambos os países, mas para todo o mundo.

Entretanto, os fatos insistem em desmentir as boas intenções declaradas por ambos os lados. A guerra comercial, iniciada com a imposição de tarifas estratosféricas pelo governo Trump — depois parcialmente reduzidas, mas ainda em níveis muito superiores aos do ano passado — cobra seu preço: as exportações chinesas para os EUA caíram cerca de 15% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Por sua vez, a China respondeu restringindo a venda de ímãs de terras raras, essenciais para indústrias que vão da fabricação de carros e drones até robôs e mísseis. Mais recentemente, passou a boicotar a compra de soja norte-americana, causando grande apreensão entre os produtores dos EUA.

Além das medidas práticas, a retórica também anda bastante inflamada. Há menos de um mês, Trump foi irônico ao comentar a presença de Putin, da Rússia, e Kim Jong-un, da Coreia do Norte, no grande desfile militar realizado pela China para comemorar os 80 anos da vitória na 2ª Guerra Mundial. Em uma rede social, enviou um recado aos três: “Por favor, enviem meus mais calorosos cumprimentos a Vladimir Putin e Kim Jong-un, enquanto vocês conspiram contra os Estados Unidos da América”.

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Menos de uma semana atrás, referindo-se à guerra na Ucrânia, Trump declarou que só adotaria medidas mais incisivas contra a Rússia se os países europeus aceitassem impor tarifas entre 50% e 100% sobre produtos chineses — sugestão que, evidentemente, desagradou profundamente Pequim.

Paralelamente, em Pequim, durante a abertura do 12º Fórum de Xiangshan, que reuniu cerca de 1.800 pessoas de mais de 100 países, incluindo acadêmicos e militares para discutir segurança e defesa, o ministro da Defesa da China, Dong Jun, fez um discurso particularmente assertivo e duro, com várias mensagens direcionadas aos EUA.

Falando sobre Taiwan e o Mar do Sul da China, reiterou que o exército chinês nunca permitirá que “qualquer plano separatista” tenha sucesso. Em relação ao Mar do Sul, criticou diretamente os EUA e seus aliados, acusando-os de usar as chamadas operações de “liberdade de navegação” de maneira provocativa.

Não se pode dizer que havia clima de otimismo no Fórum, do qual participei. De chineses a norte-americanos e europeus, de russos a ucranianos, de israelenses a iranianos e palestinos, as discussões foram francas e muitas vezes bastante duras. Expressões como “momento decisivo”, “encruzilhada histórica” e “mudanças nunca vistas” foram repetidas várias vezes por diferentes oradores para descrever o momento atual.

A viagem reforçou minha convicção de que vivemos um tempo de tensões acumuladas, em que o diálogo frequentemente se transforma em monólogo, em uma verdadeira “conversa de surdos”. Volto preocupado, sentimento compartilhado por muitos acadêmicos e pesquisadores com quem conversei.

Ainda assim, mesmo em meio à desconfiança, sempre há espaço para a diplomacia — desde que haja clareza de objetivos. O Brasil, pela própria tradição diplomática e pelo peso regional que possui, poderia contribuir para a construção de pontes. Mas, para isso, o país precisaria antes definir onde quer chegar e quais seriam suas estratégias para alcançar tais objetivos.

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