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O Secretário de Defesa dos Estados Unidos, Pete Hegseth, esteve na semana passada em Singapura, participando do “Diálogo de Shangri-la”, um seminário internacional promovido anualmente pelo Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS). Trata-se de um importante evento na área de Segurança e Defesa, que atrai autoridades de todo o mundo para debater as mais relevantes questões estratégicas da atualidade.
O discurso de Hegseth, tanto pelas informações que divulgou quanto pelo tom adotado, merece a atenção daqueles que procuram compreender os rumos atuais da política internacional, especialmente os interessados na competição em curso entre Estados Unidos e China.
O secretário começou reforçando que os EUA se veem como “um país do Indo-Pacífico”, região considerada o “teatro prioritário” para o país
Não se trata de uma novidade — o governo Obama já havia adotado o termo “Indo-Pacífico” ao lançar a política de “rebalanceamento” ou “pivô para a Ásia” —, mas mostra a prioridade máxima que o atual governo norte-americano confere à região.
Hegseth anunciou que, para 2026, o orçamento de defesa dos EUA aumentará 13%, ultrapassando o valor de 1 trilhão de dólares — uma marca impressionante, sem paralelo em nenhum outro país do mundo.
Esses investimentos destinam-se, dentre muitas outras coisas, a tirar do papel o novo programa de defesa antiaérea “Golden Dome”, desenvolver um novo caça de sexta geração, além de um novo bombardeiro estratégico e a ampliar os investimentos em drones e armas hipersônicas.
A China foi um país explicitamente citado na fala da autoridade americana. Depois de afirmar que os EUA não buscam o conflito com Pequim, Hegseth declarou que a China “aspira ser uma potência hegemônica na Ásia” e que “treina diariamente para invadir Taiwan”.
O secretário afirmou ainda que tal invasão, se ocorresse, teria um “impacto devastador para o Indo-Pacífico e para o mundo”. Esses seriam os motivos pelos quais, segundo Hegseth, os países da região deveriam aumentar seus investimentos em defesa para algo entre 2,5% e 3% do PIB, seguindo o exemplo do que já está ocorrendo na Europa, onde os gastos militares vêm aumentando de forma bastante significativa.
Uma frase do discurso me chamou especial atenção. Hegseth afirmou que muitos países são "tentados pela ideia de buscar cooperação econômica com a China e cooperação de defesa com os Estados Unidos". Ele alertou, entretanto, que a dependência econômica da China "complica nosso espaço de decisão em tempos de tensão ou conflito”.
Trata-se de um alerta direto aos aliados que buscam se equilibrar entre chineses e norte-americanos: talvez chegue o momento em que eles deverão ter que escolher um dos lados, pois a interdependência econômica dá a Pequim um poder de coerção — por meio de tarifas, embargos ou pressões sobre cadeias de suprimento — que pode limitar a liberdade de ação de Washington e dos próprios aliados em uma crise.
O governo chinês, que, diferentemente dos últimos anos — e em razão das crescentes tensões com os EUA — não enviou seu ministro da Defesa ao seminário, reagiu imediatamente ao discurso de Hegseth.
O Ministério da Defesa declarou que os EUA utilizaram o fórum para "criar disputas, semear discórdia, provocar confrontos e buscar interesses egoístas". O Ministério das Relações Exteriores, por sua vez, afirmou que o secretário americano “ignorou os apelos dos países da região por paz e desenvolvimento, promoveu uma mentalidade de confronto típica da Guerra Fria, difamou e atacou a China”. O país protestou formalmente junto às autoridades dos EUA.
Em sua resposta, as autoridades chinesas disseram ainda que os EUA são o maior fator a minar a paz e a estabilidade na região da “Ásia-Pacífico” (diferentemente dos americanos, os chineses não utilizam o termo “Indo-Pacífico”), ao “desdobrarem armas de caráter ofensivo no Mar do Sul da China”, transformando a região em um "barril de pólvora" e “despertando profunda preocupação entre os países da região”.
Os chineses declararam ainda que os EUA não deveriam “brincar com fogo”, uma vez que a questão de Taiwan seria um assunto interno da China, e nenhum país estrangeiro teria o direito de interferir
Em Singapura, pequena e rica cidade-estado localizada na porta de entrada do Mar do Sul da China, o secretário de Defesa dos EUA fez um discurso assertivo e duro, buscando galvanizar aliados daquela região do mundo para um posicionamento mais firme diante da China.
O discurso de Pete Hegseth marca mais do que um gesto diplomático: ele simboliza o avanço de uma nova fase da competição estratégica entre EUA e China, em que o campo econômico, o militar e o tecnológico estão cada vez mais entrelaçados.
Ao alertar aliados de que a neutralidade pode se tornar insustentável em tempos de crise, os Estados Unidos deixaram claro que, na sua lógica da dissuasão, não haverá mais espaço para ambivalências.
A retórica chinesa, por sua vez, reafirma que o país está disposto a contestar essa liderança em todos os planos — inclusive, se necessário, pela força.
O mundo se aproxima de uma nova era de alinhamentos estratégicos, e os países que hoje tentam equilibrar-se entre as duas potências podem, em breve, ser forçados a fazer escolhas difíceis — talvez irreversíveis.
Conteúdo editado por: Aline Menezes




