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Na semana que passou, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou que havia determinado que dois submarinos nucleares da Marinha Americana se posicionassem para fazer face à Rússia.
O movimento foi justificado por Trump como sendo uma resposta às provocações de Dmitri Medvedev, ex-presidente da Rússia, e atual Vice-Presidente do Conselho de Segurança do país.
Medvedev havia declarado que o ultimato de Trump para que a Rússia estabelecesse um cessar-fogo com a Ucrânia era um passo em direção à guerra entre as duas potências nucleares.
Trump, por sua vez, justificou suas palavras dizendo que agiu "apenas no caso de essas declarações tolas e inflamatórias serem mais do que isso. Palavras são muito importantes e muitas vezes podem levar a consequências indesejadas. Espero que este não seja um desses casos".
A troca de ameaças nucleares não é trivial e reacendeu as preocupações acerca da chamada “Mútua Destruição Assegurada”, ou “MAD”, na sigla em inglês. O espanto que a troca de declarações causou na opinião pública mundial é justificado. Afinal, décadas após o término da Guerra Fria, o risco de um holocausto atômico estava adormecido no imaginário das pessoas, tendo perdido prioridade na escala de preocupações da humanidade.
A reação de Trump causa surpresa especialmente por duas razões. Em primeiro lugar, estima-se que entre 8 e 10 dos 14 submarinos americanos da classe Ohio — capazes de transportar até 24 mísseis balísticos Trident II D5, que podem lançar múltiplas ogivas termonucleares a até 12 mil quilômetros de alcance — estejam permanentemente em patrulha estratégica, sempre em condições de desencadear um ataque nuclear contra os potenciais inimigos do país.
Assim, se tudo estiver funcionando como deve na Marinha Americana — e não há nenhuma evidência de que não esteja — eles não precisam “ser posicionados” para se preparar para um ataque.
Em segundo lugar, surpreende que Trump tenha respondido a Medvedev, uma personagem que se notabilizou por sua retórica inflamada e sem filtros. Embora o russo desempenhe um cargo importante no Conselho de Segurança, ele não possui, na prática, nenhum poder executivo.
Seus posicionamentos, frequentemente agressivos, podem ser interpretados como calculados, servindo à estratégia da guerra informacional russa, como um agente provocador destinado justamente a testar as reações ocidentais.
EUA e Rússia são as maiores potências nucleares do planeta e uma guerra nuclear não pode ser vencida. Foi essa lógica da “Mútua Destruição Assegurada” que impediu que a Guerra Fria desencadeasse um conflito armado, mesmo em momentos de muita tensão, como a crise dos mísseis em Cuba, em 1962.
Entretanto, a dissuasão nuclear não está imune a mal-entendidos e erros de cálculo que podem ser gerados por uma escalada na retórica como a protagonizada por Trump e Medvedev, ainda mais em um ambiente de alta tensão como o que o mundo vive atualmente.
Foi nesse contexto turbulento que Trump demonstrou com clareza sua frustração em relação aos rumos da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. É bastante possível que ele anuncie, na próxima sexta-feira, dia 8 — data em que se encerra seu ultimato para que Putin negocie um cessar-fogo com a Ucrânia — novas sanções econômicas contra a Rússia e contra países que, no entendimento do norte-americano, financiam o esforço de guerra russo ao importar óleo, gás e derivados daquele país.
Putin, por outro lado, não parece propenso a qualquer flexibilização nos seus objetivos maximalistas na Ucrânia. Ao mesmo tempo, ele tem encontrado na China um poderosíssimo aliado contra as sanções americanas.
Isso indica que a próxima semana deve marcar mais um degrau na escalada das tensões. A troca de palavras entre Trump e Medvedev, carregada de ecos da Guerra Fria, é um lembrete de que a paz global pende por um fio.
A lógica da Mútua Destruição Assegurada, que evitou o pior no passado, depende de racionalidade e clareza – qualidades ameaçadas por provocações e respostas impulsivas.
Para o Brasil, que compra principalmente fertilizantes e óleo diesel da Rússia, a escalada indica uma grande possibilidade de Trump efetivar a ameaça de sancionar o país ainda mais, dessa vez identificando-o como um aliado da Rússia no contorno das sanções americanas.
Essa perspectiva é alarmante, pois o Brasil, que já está pagando as mais altas tarifas do mundo para exportar seus produtos aos EUA, pode ser arrastado ainda mais para o centro de um conflito econômico global.
Em um mundo interconectado, as consequências de uma retórica belicosa entre potências nucleares não ficam restritas aos campos de batalha, mas reverberam nas lavouras e nas bombas de gasolina do Brasil
O grande jogo do sistema internacional não permite amadorismos, especialmente em tempos de crise. A posição brasileira, que deve sempre estar alinhada com os princípios que constitucionalmente regem nossas relações internacionais – como independência nacional, cooperação entre os povos, solução pacífica de conflitos e a não intervenção – exige um posicionamento firme, mas prudente.
A voz da diplomacia brasileira nos fóruns multilaterais deve ser sempre pela desescalada das tensões, mas é prudente que o país esteja preparado para saber como agir ao ser arrastado para o olho do furacão.




