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Paulo Filho

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Dilema estratégico

Israel em seu labirinto: entre a ofensiva e o impasse moral

A ofensiva total em Gaza revela não só riscos militares e diplomáticos para Israel, mas também um impasse moral sem saídas fáceis. (Foto: Jack Guez/EFE/EPA/POOL)

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O governo do primeiro-ministro de Israel, Benjamim Netanyahu, decidiu ocupar completamente a cidade de Gaza. Segundo o líder israelense, a operação militar é a única alternativa para garantir a libertação dos reféns que ainda estão aprisionados pelos terroristas do grupo Hamas.

Trata-se, entretanto, de uma decisão polêmica. Além de ser fortemente criticada pela oposição israelense, encontra resistência até entre os próprios familiares dos reféns, que, por temerem que uma escalada militar coloque ainda mais em risco a vida de seus entes queridos, prefeririam uma solução negociada. A medida também sofre objeções de quem terá de executá-la: as próprias forças armadas israelenses.

No campo internacional, as reações negativas à decisão de Netanyahu foram praticamente unânimes. Austrália, Alemanha, Brasil, Itália, Nova Zelândia e Reino Unido condenaram veementemente os planos israelenses.

O chanceler alemão, Friedrich Merz, anunciou ainda que seu país suspenderia imediatamente toda a venda de sistemas e materiais de emprego militar para Israel. O secretário-geral da ONU e a presidente da Comissão Europeia manifestaram firme oposição à decisão.

Já os países árabes e islâmicos — dentre eles, Turquia, Egito, Indonésia, Jordânia, Nigéria e Arábia Saudita —, em comunicado conjunto, rejeitaram categoricamente o plano. O governo chinês declarou estar “profundamente preocupado” com a decisão, pedindo que Israel interrompesse a ação.

No campo interno, foi significativa a oposição ao plano vinda do próprio chefe do Estado-Maior das Forças de Defesa de Israel, Tenente-General Eyal Zamir. Na avaliação do comandante, as tropas israelenses, que já controlam cerca de 75% da Faixa de Gaza, enfrentarão muitas dificuldades ao tentar assumir o controle de 2 milhões de palestinos.

As operações se estenderiam por anos, sujeitando as tropas a uma continuada operação em área urbana — dificílima de ser conduzida com êxito, como comprovam numerosos casos históricos — além de colocar as vidas dos reféns ainda mais em risco.

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A corajosa posição do General Zamir, expondo com franqueza e honestidade uma opinião frontalmente contrária à do Primeiro-Ministro Netanyahu, enquanto a ideia ainda estava em fase de aprovação pelo Conselho de Segurança israelense, é um exemplo valioso do posicionamento que se espera de um assessor — ou comandante militar — durante um processo de tomada de decisão no nível político-estratégico.

O assessor deve apresentar suas opiniões com clareza, franqueza e integridade, mesmo que entrem em conflito com as visões de seus superiores. Embora isso possa parecer evidente, nem sempre acontece.

Líderes, sobretudo aqueles que permanecem longos períodos no poder, tendem a reunir ao seu redor um círculo restrito de assessores muito alinhados entre si, que não apenas compartilham modos de pensar semelhantes, mas também desenvolvem laços de lealdade capazes de gerar receio de discordar ou de desagradar o chefe.

Esse ambiente inibe o surgimento de ideias novas ou divergentes, criando um perigoso efeito de “visão de túnel”, no qual o grupo deixa de perceber o panorama mais amplo da questão em análise.

A partir da decisão tomada pelo líder político legal e legitimamente incumbido de fazê-lo, o comandante militar tem dois caminhos: cumprir a determinação com o máximo de empenho, por considerar que, apesar de contrária às suas próprias opiniões, ela não afronta de maneira incontornável suas convicções e seus limites morais; ou afastar-se do cargo, por absoluta incompatibilidade entre seus valores e a decisão tomada.

Isso é particularmente relevante para comandantes na situação do General Zamir, cujas ordens podem implicar, inevitavelmente, na perda de vidas — tanto de soldados israelenses quanto de terroristas do Hamas e de civis palestinos.

Após a decisão do governo israelense de prosseguir com a invasão, Zamir optou pela primeira possibilidade, prometendo executar “da melhor maneira possível” a determinação de conquistar a Cidade de Gaza.

A crise atual evidencia que Israel está preso a um dilema estratégico de difícil resolução: a pressão interna e externa por resultados imediatos contrasta com as limitações operacionais e políticas que tornam improvável uma vitória rápida e decisiva

A ocupação total de Gaza, além de arriscada militarmente, pode arrastar o país para um ciclo prolongado de violência e desgaste, tanto no campo de batalha quanto na arena diplomática.

Ao fim, o “labirinto” de Israel não se limita às ruas estreitas de Gaza, mas se projeta para o terreno ainda mais complexo das escolhas políticas e morais que determinarão o seu futuro.

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