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Paulo Filho

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Disputa

Itaipu sob pressão: o jogo geopolítico da energia na América do Sul

A disputa por Itaipu expõe o jogo geopolítico: EUA avançam no Paraguai e testam a diplomacia brasileira, que precisa reagir com inteligência. (Foto: Leandro Neumann Ciuffo/Wikimedia Commons)

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A usina hidrelétrica de Itaipu é um empreendimento binacional estratégico, fundamental para a segurança energética brasileira. Por isso, é importante destacar que, em meio às tensões atualmente em curso entre Estados Unidos e Brasil, uma questão fundamental tem passado relativamente despercebida: a pressão norte-americana sobre a energia de Itaipu e as tensões que isso gera nas relações entre Brasil e Paraguai.

O alerta soou quando, em maio deste ano, Marco Rubio, Secretário de Estado dos EUA, em uma audiência no Senado daquele país, destacou que o Paraguai, com seu excedente energético, representa uma oportunidade estratégica para nações que, como os EUA, buscam liderar no campo da Inteligência Artificial. Rubio sugeriu que empresas americanas instalassem data centers no Paraguai para aproveitar essa energia: “Se alguém for esperto, vai até o Paraguai instalar uma fábrica de IA”.

Os data centers voltados para IA necessitam de grandes quantidades de energia estável e, preferencialmente, originada de fontes limpas. Itaipu, com 14 GW de potência instalada e mais de 2,9 milhões de GWh produzidos desde 1984, é uma fonte muito atraente. A proposta de Rubio, porém, vai além da retórica: ela ameaça diretamente o acesso brasileiro a uma energia estratégica, essencial para milhões de consumidores.

O Tratado de Itaipu, de 1973, estabeleceu a divisão igualitária entre Brasil e Paraguai da energia elétrica gerada pela usina binacional situada no Rio Paraná, na fronteira entre os dois países.

Como o Paraguai consome muito menos do que os 50% da energia a que tem direito, o tratado previu que, durante 50 anos, o Paraguai venderia o excedente da energia elétrica ao Brasil, a preços reduzidos, como compensação pelos investimentos feitos pelo Brasil na construção da usina.

Em 2023, após o término do prazo de 50 anos, os dois países iniciaram negociações para a compra, pelo Brasil, do excedente energético paraguaio. Essas negociações acontecem sob um clima de tensão, já que o Paraguai busca, naturalmente, maior autonomia para negociar sua energia, visando preços mais altos a serem pagos pelo Brasil.

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As negociações se tornaram ainda mais complicadas após o vazamento da informação de que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) teria invadido sistemas paraguaios com o objetivo de obter informações sobre o andamento das negociações.

Esse episódio gerou um escândalo diplomático e abalou as relações bilaterais, levando o governo do presidente Santiago Peña a suspender as negociações e convocar o embaixador brasileiro para exigir explicações.

Recentemente, à margem da reunião do Mercosul em Buenos Aires, os presidentes do Brasil e do Paraguai se reuniram e foi anunciado que os dois países retomariam as conversas.

Para obter êxito na solução da questão de Itaipu, o Brasil precisará oferecer uma alternativa que garanta, de um lado, condições de preço que possam competir com as eventuais vantagens que o Paraguai poderia obter com as empresas americanas e, de outro lado, que também assegurem o atendimento dos interesses brasileiros no acordo. 

Uma proposta concreta poderia ser, por exemplo, o oferecimento de uma parceria estratégica regional para desenvolvimento tecnológico e de infraestrutura de dados, com investimentos brasileiros diretos na construção de data centers no território paraguaio, utilizando o excedente energético de Itaipu.

Essa iniciativa poderia ser complementada por cooperação técnica e científica, promovendo a integração e fortalecendo a confiança entre os dois países.

Dessa forma, talvez a crise pudesse ser transformada em uma excelente oportunidade para que o Brasil assumisse maior protagonismo no seu entorno regional, exercendo uma liderança construtiva capaz de gerar ganhos mútuos para o Brasil e para o seu vizinho.

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