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Paulo Filho

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Otan

O mundo expande seus investimentos em Defesa. E o Brasil?

Treinamento de tiro aéreo da Otan no campo de Adazi, na Letônia, neste mês (Foto: VALDA KALNINA/EFE/EPA)

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Os chefes de Estado e de governo dos países que compõem a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) reuniram-se, na semana passada, em Haia, na Holanda. A curta declaração expedida pela organização ao fim da cimeira transmitiu as principais decisões da Aliança.

A declaração inicia com uma reafirmação do compromisso de todos os países-membros com a defesa coletiva, pedra angular do compromisso entre os aliados, prevista no famoso artigo 5º do Tratado de Washington: um ataque a qualquer um dos países da aliança será considerado pelos demais países como um ataque a todos.

Essa reafirmação do compromisso coletivo é particularmente importante neste momento histórico, em que declarações erráticas do presidente Trump e de outras autoridades norte-americanas levantam dúvidas entre os aliados europeus acerca da confiabilidade do compromisso dos EUA.

Contudo, a decisão mais importante tomada foi estabelecer que todos os aliados deverão investir 5% dos seus Produtos Internos Brutos (PIB) em Defesa. Trata-se de um incremento substancial e impressionante que, em muitos países, corresponde a uma mais do que duplicação do total dos investimentos nesse setor. A justificativa é expressa claramente pelas ameaças e desafios à segurança que afligem os países da OTAN, especialmente aquelas representadas pela Rússia e pela persistente ameaça do terrorismo. Estabeleceu-se um prazo de dez anos para que todos os aliados atinjam essa nova meta.

Esses 5% do PIB serão divididos em duas categorias. Uma parcela de 3,5% será diretamente alocada para a obtenção das capacidades militares estipuladas pela OTAN para cada um dos aliados. Trata-se de investimentos diretos em sistemas e materiais de emprego militar, munições, preparo de pessoal, entre outros. Os outros 1,5% serão destinados principalmente a investimentos em infraestrutura crítica, como, por exemplo, linhas férreas capazes de deslocar rapidamente grandes efetivos e equipamentos pesados para pontos estratégicos na Europa, além de defesa cibernética e fortalecimento da base industrial de defesa.

O movimento da OTAN de promover um aumento significativo de seus investimentos em Defesa não é isolado. Segundo o Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo (SIPRI), os gastos militares aumentaram em todas as regiões do mundo, atingindo, em 2024, a cifra de US$ 2,718 trilhões. Foi o décimo ano consecutivo de aumento desse tipo de despesa, levando os países a gastarem, em média, 2,5% dos seus PIBs em Defesa. Países em guerra, como Rússia e Israel, tiveram impressionantes aumentos de 38% e 65%, respectivamente. Mesmo onde a guerra ainda não chegou, como no Japão, os investimentos em Defesa aumentaram 21%, fazendo com que a parcela do PIB destinada à defesa fosse a maior desde 1958.

O cenário global deixa claro que crises podem surgir abruptamente e, quando isso ocorrer, será tarde demais para preparativos improvisados

Ainda segundo relatório do SIPRI, em 2024, o mundo registrou o maior número de conflitos armados desde o fim da Segunda Guerra Mundial – 61 guerras em 36 países – refletindo claramente o momento de enorme instabilidade geopolítica atravessado pela humanidade.

É evidente que toda essa instabilidade já está afetando a América do Sul e o Brasil. Como único país do hemisfério ocidental a ser membro dos BRICS, o Brasil, descrito pelo atual Secretário de Defesa dos EUA como inserido no "quintal" norte-americano, vê-se cada vez mais envolvido na feroz disputa geopolítica entre americanos e chineses.

Mas, em relação aos investimentos em Defesa, seguimos na contramão do mundo. Embora sejamos a décima economia mundial, investimos em 2024 apenas 1,1% do PIB, menos da metade da média global. Os programas estratégicos das forças armadas são frequentemente postergados por sucessivas reduções e contingenciamentos de recursos, atrasando indefinidamente entregas de capacidades militares essenciais ao quinto maior país do mundo em extensão territorial, detentor de vastos recursos estratégicos em termos de biodiversidade, minerais – inclusive terras raras – e água potável, todos objetos de crescente cobiça internacional. Isso sem mencionar a crescente ameaça que o crime organizado transnacional representa para a população brasileira.

Dotar as forças armadas das capacidades necessárias ao cumprimento de suas missões constitucionais é um imperativo estratégico. O cenário global deixa claro que crises podem surgir abruptamente e, quando isso ocorrer, será tarde demais para preparativos improvisados. Já passou da hora de o Brasil levar a sério sua defesa nacional, ampliando investimentos e promovendo um debate público maduro sobre os riscos iminentes que ameaçam sua soberania e segurança. Ignorar essa realidade é colocar em risco o futuro do país.

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