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Paulo Filho

Paulo Filho

Recado de Washington

O ultimato americano à Venezuela

O envio do USS Gerald Ford ao Caribe é mais que dissuasão: é um aviso claro de que os EUA reafirmam poder e miram a queda de Maduro. (Foto: Jackson Adkins/U.S. Navy/Wikimedia Commons)

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O porta-aviões USS Gerald Ford, o mais poderoso navio de guerra dos Estados Unidos, está a caminho do Caribe. Ao lado dos contratorpedeiros USS Mahan, USS Bainbridge e USS Winston Churchill, que compõem sua escolta, ele recebeu a determinação de juntar-se às demais forças navais americanas já desdobradas na região. Oficialmente, o grupo integrará o esforço que os EUA afirmam empreender em sua guerra contra as drogas que inundam o território norte-americano a partir da América do Sul — especialmente da Colômbia e da Venezuela.

Como já escrevi algumas vezes neste espaço da Gazeta do Povo, a última há apenas duas semanas, não são poucos os sinais de que o governo americano trabalha efetivamente por uma troca de regime na Venezuela. Nesse sentido, o envio do USS Gerald Ford é, por si só, muito mais do que uma mensagem: é um ultimato ao regime de Nicolás Maduro.

O mais novo porta-aviões da frota americana não é apenas um navio de guerra. É uma base aérea flutuante que abriga dezenas de aeronaves de reconhecimento e ataque, além de helicópteros, um centro de comando e controle de alta capacidade e uma base logística de grande porte — tudo isso operado por cerca de 5 mil militares.

O grupo de batalha liderado pelo Gerald Ford, que deve chegar ao Caribe na segunda semana de novembro, vai se somar a um já expressivo contingente aeronaval presente naquele teatro de operações: o grupo de ataque anfíbio liderado pelo USS Iwo Jima, com 2,4 mil fuzileiros navais; o MV Ocean Trader, um navio civil convertido em base flutuante para Operações Especiais; além de contratorpedeiros equipados com lançadores de mísseis Tomahawk, drones MQ-9 e caças F-35, totalizando uma força de combate superior a dez mil militares.

Ao mesmo tempo em que aproxima seus meios de combate, os EUA enviaram um navio para participar de manobras conjuntas com a marinha de Trinidad e Tobago, uma pequena ilha localizada a apenas dez quilômetros da costa venezuelana.

Paralelamente, o Comando Sul dos EUA divulga vídeos com imagens exibidas em ritmo frenético de desembarques anfíbios e exercícios militares, em clara tentativa de pressionar psicologicamente as lideranças e a população venezuelanas.

Tudo isso significa que os EUA estejam planejando uma operação em larga escala — uma invasão da Venezuela nos moldes do que fizeram no Iraque ou no Afeganistão? Não acredito.

Uma operação dessa natureza envolveria grandes riscos, exigiria um emprego muito maior de meios militares e certamente demandaria meses, talvez anos, de envolvimento direto de tropas em território venezuelano, algo que a administração Trump dificilmente desejaria.

Por outro lado, mobilizar tamanha quantidade de forças para o Caribe, a um custo de dezenas ou até centenas de milhões de dólares, apenas para tudo permanecer como está, certamente ensejaria críticas internas e seria explorado pelos adversários dos EUA como prova de que suas forças se transformaram em um “tigre de papel”, incapaz de agir com eficácia em defesa de seus objetivos políticos.

Assim, o mais provável é que Washington tenha optado por alcançar a queda do regime de Maduro por meio de uma abordagem estratégica indireta, combinando ações coercitivas de caráter psicológico e econômico, além de medidas militares limitadas — como o bloqueio naval de exportações venezuelanas ou ataques pontuais a instalações militares e civis, conduzidos por drones, mísseis ou forças especiais.

Para que essa estratégia funcione, é essencial que exista uma alternativa política a Maduro, capaz de assumir o governo imediatamente e alinhada aos interesses americanos.

Essa alternativa existe e é representada pela líder oposicionista María Corina Machado, vencedora do último Prêmio Nobel da Paz, e pelo candidato que teria vencido as últimas eleições venezuelanas, fraudadas pelo regime, Edmundo González.

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Entretanto, uma alternativa política não basta. É necessária também uma defecção significativa nas Forças Armadas venezuelanas

Aqui entramos no campo da incerteza: não se sabe se há, entre os militares daquele país, uma parcela suficientemente forte para iniciar uma insurreição, que seria imediatamente apoiada pelos EUA. Tampouco se sabe se o regime de Maduro cairia como um castelo de cartas — abrindo espaço para um novo governo — ou se a lealdade das Forças Armadas a Maduro seria capaz de sustentar uma resistência prolongada, mergulhando o país em uma guerra civil.

A Venezuela é um país grande, com uma geografia complexa, em que montanhas e selvas oferecem refúgio ideal para grupos armados — cenário propício a uma espiral de violência semelhante à que assola, há décadas, a vizinha Colômbia.

Como se vê, embora persistam grandes incertezas quanto ao futuro da Venezuela, parece difícil imaginar que o regime de Maduro consiga resistir por muito tempo à pressão externa e à exaustão interna.

O que está em jogo, contudo, vai além de Caracas: é o futuro do equilíbrio de poder no Caribe e a capacidade dos Estados Unidos de reafirmarem sua influência sobre o que sempre consideraram seu “quintal estratégico”.

Se a transição venezuelana ocorrer de forma caótica, seus efeitos se irradiarão por toda a região, inclusive o Brasil; se for controlada, poderá redefinir a geopolítica do continente.

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