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“Quantas Divisões (de exército) tem o papa?” Esta pergunta teria sido feita por Stalin, em plena Conferência de Teerã, em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial. O ditador soviético a teria dirigido ao primeiro-ministro britânico Winston Churchill, após algumas considerações sobre a posição do líder da Igreja Católica Romana a respeito da guerra.
Stalin, evidentemente, desdenhava o poder papal, especialmente no contexto da grande guerra em curso na ocasião. Essa história me veio à mente ao observar o enorme deslocamento dos mais importantes líderes globais ao Vaticano, por ocasião do falecimento do papa Francisco, na semana passada.
Na modernidade, o poder do papa é de natureza simbólica, moral e diplomática. Ele não impõe vontades por meio de exércitos ou sanções econômicas, mas influencia o comportamento de líderes e sociedades pela autoridade ética que representa
Cento e trinta países enviaram delegações para o sepultamento do papa. Mais de cinquenta chefes de Estado compareceram. Figuras de diferentes espectros políticos e ideológicos – como os presidentes Trump, dos EUA; Macron, da França; Milei, da Argentina; e Lula, do Brasil, dentre muitos outros – fizeram questão de prestar a última homenagem ao líder da denominação religiosa que reúne cerca de 1,4 bilhão de seguidores em todo o mundo.
Como ressaltado na célebre frase de Stalin, esse afluxo de autoridades tão diversas, bem como a extensíssima cobertura midiática que envolveu a morte de Francisco – e que se manterá até a escolha de seu sucessor – não se deve ao poder militar do Papa, que, como se sabe, não conta com um único soldado à sua disposição.
Na modernidade, o poder do papa é de natureza simbólica, moral e diplomática. Ele não impõe vontades por meio de exércitos ou sanções econômicas, mas influencia o comportamento de líderes e sociedades pela autoridade ética que representa. Esse poder se manifesta na capacidade de mobilizar atenções globais, mediar conflitos, inspirar políticas públicas e projetar valores universais como a paz, a dignidade humana e a solidariedade.
Em um mundo marcado pela polarização geopolítica, o Vaticano atua como um raro ponto de convergência, capaz de reunir líderes de diferentes espectros ideológicos. Trata-se de uma expressão exemplar do "soft power", conceito desenvolvido por Joseph Nye, que define a capacidade de moldar preferências e comportamentos internacionais não pela força, mas pela atração e pela legitimidade moral.
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Segundo a contagem oficial do Vaticano, Francisco foi o 266º papa. Cada um deles exerceu uma influência que transcendeu, em seu conjunto, gerações, impérios e ideologias. Em comparação, a União Soviética, que Stalin ajudou a consolidar, existiu por apenas 69 anos (1922–1991) e foi liderada por oito figuras principais, do revolucionário Lenin ao reformista Gorbachev. Enquanto a URSS, com suas vastas Divisões de Exército, colapsou sob o peso de suas contradições, o Vaticano, sem um único regimento, permanece um ponto de convergência para líderes globais.
É por isso que todos estão prestando muita atenção à iminente indicação do próximo papa. Em um mundo polarizado entre progressistas e conservadores, entre Ocidente e Oriente, entre países ricos e o Sul Global, quem será o 267º papa? Será um africano, refletindo o crescimento do catolicismo naquele continente? Será mais uma vez um latino-americano, que continue o legado de Francisco? Será um asiático, refletindo na Igreja o rebalanceamento do poder global em direção ao Leste? Ou será um europeu, reafirmando as raízes tradicionais do catolicismo? Cada uma dessas possibilidades carrega implicações geopolíticas, pois, como se vê, papas não precisam de exércitos para ajudar a moldar o rumo da história.
Se Stalin, já ciente da implosão da União Soviética, pudesse ver o desfile de líderes globais pelo Vaticano na semana passada, talvez reformulasse sua pergunta irônica. Em um mundo fragmentado, toda a humanidade – cristãos e não cristãos – ainda precisa de uma bússola moral que inspire comportamentos e indique direções a seguir, lembrando-nos de nossos valores comuns. Apesar de tudo, o papa ainda é uma das pouquíssimas lideranças globais a representar esse tipo de alento.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos




