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Paulo Filho

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Ucrânia X Rússia

Surpresa na guerra: o ataque que calou o Kremlin

(Foto: Gavriil Grigorov/EFE/EPA/SPUTNIK)

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Os militares aprendem muito cedo, nos bancos escolares das escolas de formação profissional, que existem alguns princípios de guerra que devem ser seguidos. Não sendo “trilhos” que limitem excessivamente o processo decisório, são “trilhas” que demarcam os caminhos que a experiência de generais e líderes de conflitos passados indica levarem ao sucesso nos campos de batalha.

A doutrina militar terrestre atualmente em vigor, adotada pelo Exército Brasileiro, lista nove princípios de guerra: objetivo, ofensiva, simplicidade, surpresa, segurança, economia de forças ou meios, massa, manobra e unidade de comando.

Neste artigo, vou me concentrar no princípio da surpresa, aquele que consiste no emprego da força contra um oponente de forma que este não esteja preparado ou só perceba a situação quando já não possa apresentar uma reação eficiente. 

O mote deste artigo – os leitores que frequentam este espaço já perceberam – foi a espetacular ação militar ucraniana contra a Rússia, na qual pequenos drones operados remotamente destruíram várias aeronaves de enorme valor estratégico em bases aéreas no interior profundo do território russo.

Uma ação de tamanha complexidade certamente exigiu um demorado e extenso planejamento. Segundo o próprio presidente Zelensky, da Ucrânia, essa fase durou mais de um ano e meio. 

O problema que os planejadores ucranianos tinham para resolver era o de como destruir a maior quantidade possível de bombardeiros estratégicos russos. 

Essas aeronaves são responsáveis por boa parte dos ataques de mísseis que são lançados em direção à Ucrânia, praticamente todos os dias, nesses quase três anos e meio de guerra. 

Como disparam suas armas a partir do próprio território da Rússia, são praticamente inalcançáveis pela artilharia antiaérea ucraniana. O ataque, para ter chance de ser eficaz, teria que partir de dentro do território russo, contornando a defesa antiaérea e superando as limitações de alcance das armas ucranianas.

Os militares ucranianos tiveram uma ideia: seria possível levar os pequenos drones que estão sendo utilizados com sucesso na linha de frente até as profundezas da retaguarda russa, a milhares de quilômetros do front? 

A resposta a essa questão veio por meio de uma ousada e marcante operação, batizada de “Teia de Aranha”.

Mais de uma centena de pequenos quadricópteros – cada um custando cerca de seiscentos dólares – seriam infiltrados no território russo e, a partir de posições muito próximas aos alvos, seriam liberados para, carregando explosivos, destruírem as aeronaves inimigas.

Os ucranianos decidiram utilizar contêineres – objetos que, por serem muito comumente vistos nas estradas russas, chamariam pouca atenção – como “bases de lançamento” de seus drones.

Os tetos desses contêineres foram modificados para abrirem-se remotamente. Quando os caminhões estavam estacionados a poucas centenas de metros dos alvos, os drones, pilotados à distância, voaram até suas metas, explodindo ao os encontrarem.

O resultado, segundo os ucranianos, teria sido a destruição completa ou parcial de 41 aeronaves russas, dentre elas vários bombardeiros estratégicos TU-95 e TU-22 – capazes de lançar mísseis de cruzeiro, além de bombas – bem como aeronaves de alerta aéreo antecipado (AWACS) A-50. 

Ainda segundo os ucranianos, o prejuízo provocado à Rússia teria alcançado a cifra de 7 bilhões de dólares. Esse número não foi confirmado de forma independente até o momento. 

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Fontes nas forças armadas norte-americanas teriam revelado à imprensa que o número de aeronaves destruídas seria de cerca de 20. De qualquer forma, a operação foi um sucesso.

A surpresa emudeceu o Kremlin, que levou 48 horas para se pronunciar sobre o assunto. Os blogueiros de assuntos militares e os comentaristas dos programas televisivos russos, entretanto, não tardaram a responder. 

A virulência dos comentários foi tamanha que muitos admitiram a hipótese – antes levantada apenas pelas franjas mais radicais do espaço midiático russo – de utilização de um artefato nuclear contra a Ucrânia.

A resposta do presidente Putin, quando veio, foi de forma indireta. Em um telefonema ao presidente dos EUA, disse que a Rússia seria obrigada a retaliar.

Em uma reunião com altos funcionários do governo russo, Putin não mencionou o ataque, concentrando-se, em vez disso, na destruição, horas antes, de duas pontes ferroviárias em regiões fronteiriças com a Ucrânia, denunciando o que chamou de “terrorismo” praticado pela Ucrânia.

Até o momento em que escrevo este artigo, a resposta russa foi a intensificação dos ataques com drones e mísseis contra as principais cidades ucranianas. Entretanto, é provável que um ataque mais significativo esteja sendo preparado, para tentar punir Kiev pela ousadia da Operação Teia de Aranha, que expôs uma enorme fragilidade defensiva russa.

Atribui-se a Xenofonte, soldado e filósofo ateniense, uma frase que diz que, na guerra, a surpresa assusta até aquele que é mais forte

São muitos os casos históricos em que esse princípio de guerra foi utilizado, como em Crécy, na Guerra dos Cem Anos; em Cambrai, na Primeira Guerra Mundial; ou nas Ardenas, na Segunda Guerra. 

A surpresa pode ser obtida de várias formas: pela utilização de novas armas e meios, pelo ataque em locais e momentos inesperados, ou por uma combinação de tudo isso – como foi o caso na operação Teia de Aranha.

O general alemão Heinz Guderian escreveu que “as mais altas lideranças francesas não puderam ou não quiseram compreender o significado do carro de combate na guerra de movimento”; por isso, a blitzkrieg alemã foi tão exitosa na conquista da França pela Alemanha. 

Na atual guerra entre Rússia e Ucrânia, talvez o mesmo possa ser dito acerca do uso dos drones e das lideranças russas. 

Conteúdo editado por: Aline Menezes

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