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Na semana passada, antes da divulgação da carta do presidente dos EUA, Donald Trump, ameaçando impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, escrevi aqui na Gazeta do Povo que o atual contexto geopolítico complicava significativamente a posição brasileira no cenário internacional. Argumentei que o Brasil se equilibra diante das pressões decorrentes da competição sistêmica entre EUA e China.
Os acontecimentos recentes acabaram ilustrando dramaticamente esse ponto de vista. Independentemente dos motivos políticos, geopolíticos ou econômicos que tenham provocado a decisão de Trump, o fato é que o Brasil experimenta, neste episódio, a desconfortável sensação de ser objeto de coerção estrangeira, em uma escala que há muitos anos não testemunhávamos.
Exercer o poder é ter a capacidade de obrigar os outros a fazer o que você deseja. Uma classificação amplamente aceita pelos teóricos das Relações Internacionais afirma que isso pode ser alcançado por meio da coerção, do pagamento ou da atração. As duas primeiras formas constituem o chamado “poder duro” ou “hard power”, enquanto a última encarnaria o “poder brando” ou “soft power”. É exatamente a pressão do hard power americano que o Brasil experimenta neste momento.
Historicamente, os EUA construíram sua liderança global, desenvolvendo ao máximo essas três dimensões do poder. O país possui a mais poderosa força militar da história, tornou-se a nação mais rica do mundo e exerce uma inegável influência cultural, consolidando-se como o principal polo global de produção e difusão de ideias e comportamentos.
Os americanos transformaram seu país no campeão da liberdade e da democracia, valores fundamentais que venceram a Guerra Fria e moldaram a ordem liberal internacional.
Entretanto, as coisas mudaram. No próximo domingo, o presidente Trump completará seis meses de seu segundo mandato, e já é possível afirmar que ele apostou todas as suas fichas nas duas dimensões do hard power, abandonando o exercício da atração característico do soft power. Em outras palavras, para fazer “a América grande novamente”, Trump abriu mão de liderar pela influência, pela inspiração e pela atração. Para ele, o que importa é dobrar os adversários no curto prazo, custe o que custar.
Essa é uma estratégia de risco. Afinal, coagir aliados históricos como Canadá, Dinamarca e México, sem mencionar os parceiros da OTAN e, agora, o Brasil, pode até gerar ganhos imediatos.
Na maioria das vezes, os coagidos são impelidos, pela brutal disparidade de forças, a se dobrar à vontade norte-americana. A dúvida é se essa estratégia será favorável aos EUA no longo prazo
Isso porque os norte-americanos já não estão mais jogando sozinhos o grande jogo internacional. A China, que a exemplo dos EUA, também emprega seu hard power sem maior cerimônia – Taiwan e seus vizinhos no Mar do Sul da China que o digam – diferentemente dos EUA de Trump, não renuncia ao soft power.
Pelo contrário, exerce uma liderança que lhe confere uma crescente atratividade no cenário internacional, especialmente entre os países em desenvolvimento que se sentem prejudicados pela política tarifária norte-americana.
Os europeus, por sua vez, tentam reforçar a União Europeia como um polo de poder cada vez mais independente dos EUA. O bloco tem se esforçado para firmar novos acordos comerciais e aprofundar os existentes.
Cinco anos após o Brexit, Reino Unido e UE se reaproximaram, enquanto o bloco trabalha para estreitar relações comerciais com parceiros estratégicos como Índia, África do Sul, América do Sul e países da Ásia.
No campo militar, são cada vez mais frequentes as manifestações de autoridades europeias sobre a necessidade de conquistar autonomia na defesa, já que há dúvidas sobre se os EUA estariam ao lado da Europa em um eventual conflito contra a Rússia, por exemplo.
Nesse cenário, fica claro que o uso intensivo e quase exclusivo do hard power, como Trump parece preferir, pode não apenas desgastar alianças históricas, mas também, a médio e longo prazos, abrir espaço para a atuação de outros atores globais, com a consequente diluição do poder norte-americano. Quando isso ocorrer, é provável que os EUA se arrependam do rumo que sua política externa tomou em 2025.
Conteúdo editado por: Aline Menezes




