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O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).| Foto: Pedro França/Agência Senado

“De tédio ninguém vai morrer este ano. De monotonia, não vamos morrer”, disse o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes em um congresso de direito eleitoral em junho. O ministro tinha razão. Indo além do polêmico inquérito das fake news, Moraes surpreendeu, negativamente, com a determinação de busca e apreensão contra oito empresários apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Mais surpreendente ainda é que o bloqueio das contas e a quebra do sigilo bancário dos empresários não foram pedidos pela Polícia Federal (PF), e, sim, pelo senador Randolfe Rodrigues, líder da oposição no Senado e um dos coordenadores da campanha de Lula.

Os senadores Renan Calheiros, Humberto Costa e Fabiano Contarato também pediram a quebra do sigilo das mensagens. Os dois últimos são filiados ao Partido dos Trabalhadores (PT). Moraes, por outro lado, é presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Será que essa decisão, sem base legal, não pode comprometer a isenção necessária do processo eleitoral? Será que as atitudes recentes da autoridade inspiram confiança e ajudam a amenizar o clima de polarização do país? Será que esse inquérito promove as liberdades individuais ou gera uma ameaça permanente para cada cidadão?

O senador Randolfe Rodrigues estava, supostamente, desconfiado de que os empresários estivessem financiando “atos antidemocráticos”, e pediu apuração séria e aprofundada das mensagens do grupo. Mas, nas redes sociais, usuários se perguntam se a preocupação era com o financiamento de atos antidemocráticos ou com doações legítimas para a campanha de reeleição do atual presidente, já que os empresários em questão são conhecidos como seus apoiadores.

E, além da tomada de depoimentos, quebra de sigilos bancários, bloqueio de contas e quebra de sigilo de mensagens, Randolfe também pediu prisões preventivas, a medida mais radical e desproporcional que poderia ser tomada no caso. Pelo menos as prisões não foram aplicadas por Alexandre de Moraes, mas não deixa de ser estranho que essas medidas tenham sido pedidas por um líder da oposição e acatadas pelo ministro. O senador Randolfe é parte interessada no caso e isso deveria ser considerado na elaboração da decisão.

O advogado criminalista Leonardo Pantaleão comentou o pedido de Randolfe contra os empresários à CNN junto de outros especialistas em Direito. “O senador não tem entre as suas atribuições provocar diretamente um ministro do STF pleiteando determinada medida invasiva domiciliar ou algo do tipo. Isso é restrito à Polícia Federal ou Ministério Público Federal”, afirmou o jurista.

“O que causou maior estranheza foi o escanteamento do MP [Ministério Público] e da PF, todos serem surpreendidos por uma determinação, por uma solicitação por alguém que, a princípio, não tem legitimidade para tanto”, completou ele. E sobre a operação em si contra os empresários, Pantaleão também apontou que “os indícios que foram tomados como base foram muito superficiais e que, a princípio, não justificariam uma medida tão drástica quanto aquela”.

Já a professora de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), Raquel Scalcon, apesar de concordar com uma investigação contra o grupo, também discorda das medidas tomadas na operação: “Não acho que não haja uma tentativa de uma fundamentação robusta, mas, tecnicamente, me parece que essa fundamentação não encontra esse respaldo nos indícios que ali são colocados”.

O professor de Direito Administrativo da PUC-SP e consultor jurídico Adilson Dallari vai além: segundo ele, a operação feriu os incisos 4, 10, 12 e 16 do artigo 5° da Constituição, que institui direitos e garantias individuais. A legislação garante livre manifestação do pensamento, privacidade e vida privada, sigilo das comunicações e liberdade de reunião. Dallari disse à CNN que o pedido de Randolfe deveria ser arquivado, e que o ministro Alexandre de Moraes “não está violando a Constituição por ignorância, mas deliberadamente”.

As irregularidades são tantas que a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, pediu que o ministro Alexandre de Moraes arquive o caso. Lindôra afirmou que o ministro do Supremo não deveria ter aceitado o pedido dos quatro senadores, muito menos ter deixado a Procuradoria Geral da República à margem do caso. Ela destacou que a ação foi feita por “atores políticos em ano eleitoral, com a correlata exploração midiática de sua atuação, e consequente intento de ‘fishing expedition’ em nova frente política em busca de protagonismo jurídico em substituição às autoridades competentes”.

Fishing expedition é um termo que caracteriza falta de indício ou coleta mínima de informações que possam subsidiar uma investigação, não raro, com o intuito de incriminar alguém — uma prática que é ilegal no Brasil. Essa prática, na verdade, é abusiva, pois configura uma devassa na vida das pessoas com o objetivo de encontrar elementos que possam ser usados para incriminar. É muito comum em países autoritários, que não possuem estado de direito. No Brasil, é uma inovação perigosa que deve ser rechaçada por todos que acreditam nas liberdades individuais.

Além disso, para a vice-PGR, a petição dos senadores foi ilegal, pois eles não possuem “qualquer ligação com os fatos em apuração”. “A Constituição Federal não outorgou competências investigativas a parlamentares, que ficaram reservadas excepcionalmente às Comissões Parlamentares de Inquérito, que só podem ser instaladas observados os requisitos do art. 58, § 3º, da Constituição Federal”, disse Lindôra Araújo em sua petição. Essa nova artimanha parlamentar e jurídica, sem respaldo em nossa Constituição, tem claro caráter eleitoral, o que deveria ser coibido pelo Poder Judiciário.

E após a divulgação do conteúdo do inquérito contra os empresários, o Ministério Público Federal (MPF) também pretende pedir arquivamento, relataram fontes do MPF à CNN. “Não há consistência. Distribuir bandeiras do Brasil é crime? Manifestar-se em grupos de WhatsApp é crime? Mesmo defendendo ideias que não sejam democráticas? Ideias sem ação? Não constitui crime manifestação crítica aos poderes. Isso está previsto em lei”, disse um jurista, que preferiu não se identificar, à emissora.

O inquérito de Alexandre de Moraes e Randolfe Rodrigues também sacudiu o mundo empresarial. “A ação violou o sigilo bancário, telefônico e de outras áreas de importantes empresários de nosso país, sob a alegação de que eles estariam atentando contra a democracia. Não só esta decisão é claramente inconstitucional, como já argumentado por diversos advogados de notoriedade pública, como torna-se ainda mais vil quando realizada por um ministro que deveria ser o guardião da Constituição”, afirmou o Instituto de Estudos Empresariais (IEE).

Outras notas de repúdio ao inquérito foram publicadas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul), Fórum Empresarial da Bahia, Federação das Empresas de Transportes dos Estados da Bahia e Sergipe, entre outras.

Os empresários não deveriam ser investigados a pedido do STF, pois são cidadãos comuns, sem foro privilegiado (mais detalhes sobre isso na última coluna). O senador Randolfe Rodrigues não tinha competência para requerer a operação, e mesmo que tivesse, causaria, ainda assim, desconfiança na população, já que ele é o líder da oposição e um dos coordenadores da campanha de Lula.

O inquérito de Moraes e Randolfe aumenta ainda mais a desconfiança dos eleitores, principalmente daqueles que duvidam da segurança das urnas eletrônicas. Em vez de represálias, o Supremo Tribunal Federal e o Congresso — assim como o TSE, presidido pelo mesmo ministro que lavrou a decisão que causou instabilidade e insegurança jurídica —, deveriam responder com ações que confirmem e provem a confiabilidade do sistema eleitoral, e não emplacar um inquérito cheio de inconstitucionalidades, por iniciativa da oposição.

Outra medida da Justiça Eleitoral que trouxe mais insegurança jurídica e desconfiança sobre a imparcialidade do sistema eleitoral foi a decisão que determinou a realização de busca e apreensão nos comitês dos candidatos ao Senado pelo estado do Paraná, Sérgio Moro e Paulo Martins. As medidas foram solicitadas pela Federação “Brasil da Esperança”, liderada pelo PT, em razão de supostas irregularidades nas peças de campanha dos dois candidatos. A decisão da Justiça concordou que havia “desconformidade entre o tamanho da fonte do nome do candidato a senador relativamente a dos suplentes”. Mas será que a medida foi proporcional e razoável? Não bastaria intimar os candidatos para que não usassem os referidos materiais ou que os entregassem no prazo de 48 horas?

No último mês da campanha eleitoral, os cidadãos não deveriam se sentir ameaçados, como se tivessem um grande alvo nas costas ou como se existisse um grande irmão vigiando seus celulares. Os direitos e liberdades individuais são os grandes pilares de sustentação da democracia. A Justiça não pode ser usada para defender interesses partidários, muito menos, de um candidato específico. O direito de livre manifestação de ideias e pensamentos, de apoiar qualquer candidato que lhe convém, é um direito individual inalienável. Nenhuma instituição ou pessoa pode ameaçar esses direitos. O Brasil e, principalmente, os brasileiros, precisam reconquistar sua independência. Em 200 anos, parece que ainda não aprendemos a respeitar as liberdades individuais tão arduamente conquistadas.

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