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Nelson Almeida/AFP
Nelson Almeida/AFP| Foto:

De tão frequentes, as referências à academia nos últimos discursos de Ciro Gomes (PDT) parecem até fruto de pesquisas qualitativas. Seja qual for o motivo, o candidato quer se vender ao povo brasileiro como professor, pesquisador rigoroso, em contraste com os políticos comuns que nunca estudaram os problemas do país.

Exatamente o oposto do que aconteceu na carreira de Ciro Gomes. O ex-professor de direito da UVA e UNIFOR abandonou a docência antes da queda do Muro de Berlim, em 1985. Não tem histórico de publicações em periódicos com rigor acadêmico ou pós-graduação. De acordo com um perfil da revista Piauí deste mês, Ciro frequentemente “cai em imprecisões ou erros factuais ao despejar dados em cascata”.

Nos últimos 33 anos, Ciro fala para obter poder político, não para refletir seriamente sobre qualquer coisa. Quem esquece disso corre alto risco de ser engabelado pelo candidato. Apesar de bem articulado, como Donald Trump, Ciro Gomes não tem medo de mentir, como Trump, se for necessário para adoçar seu discurso.

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Afirmar que metade do orçamento é destinado ao pagamento de juros para bancos, como faz o candidato, é uma mentira grosseira, derivada de um uso nonsense da palavra “orçamento”.

Ciro conflaciona, propositalmente, gasto público e dinheiro movimentado pelo governo. Mas nunca informa que metade das receitas também vem dos bancos, por operações financeiras do governo. Se o que ele chama de “orçamento” representasse o tamanho do governo federal, a carga tributária necessária para estabilizar a dívida pública brasileira seria maior que a dos países escandinavos, ao redor de 60% do PIB. Só é possível compreender a afirmação através da politicagem, admitindo que o candidato quer vender uma solução fácil para o ajuste fiscal – voluntarismo contra banqueiros.

Mesmo assim, precisaríamos considerar que boa parte dos juros não vai pros bancos. Fundos de pensão e seguradoras estão entre os maiores detentores da dívida pública. Parte importante dos depósitos na sua conta corrente, por exemplo, podem estar assegurados por títulos públicos. Ao discurso de Ciro, portanto, falta justamente o estudo e as informações que ele alega ter de sobra.

O paralelo que faço com Trump se dá principalmente pela crônica alergia a fatos. Mas se fosse apenas isso, estaríamos bem.

Ciro já disse, por exemplo, que as metas de inflação só existem no Brasil, sendo uma picaretagem neoliberal que só nós engolimos – na verdade, é o regime monetário mais adotado no mundo, apoiado por alguns dos principais economistas de esquerda do planeta, cujos defensores originais foram premiados com o Nobel. Se lhe parece uma tecnicalidade, saiba que basta um decreto presidencial – uma canetada, sem discussão parlamentar – para acabar com o regime de metas, o que Ciro já prometeu fazer.

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A acusação genérica de combater a “picaretagem ideológica neoliberal” é um salvo-conduto frequente de Ciro para ignorar economistas acadêmicos e as evidências por eles acumuladas em suas pesquisas. Diversas pesquisas apontam um virtual consenso sobre os danos do protecionismo ao bem-estar econômico – como Trump, Ciro ignora um virtual consenso científico propondo proteção ao empresariado nacional, enquanto acusa os outros de ideologia.

Críticas à ortodoxia econômica, como as recentemente formuladas por André Lara Resende e John Cochrane, tem sido citadas por Ciro em sentido oposto ao que esses economistas defendem – os próprios já disseram que não se trata de salvo-conduto para baixar juros na canetada. O candidato ignora ainda que o gasto federal cresceu em 2015 e 2016, e culpa a austeridade (qual, se a demanda do governo aumentou?) pela crise.

Em suma, o presidenciável estudioso trabalha diuturnamente para rebaixar o debate público, como Trump. Para isso, conta com a ignorância da população sobre assuntos técnicos, como Trump, e até defende pautas próximas ao presidente americano – há mais trumpismo na política comercial de Ciro do que na de Bolsonaro.

Nem tudo são semelhanças. Trump propôs, de modo irresponsável, cortes de impostos para o mais ricos. Ciro defende o contrário, num ponto de sensatez do seu programa econômico. Na relação com o empresariado, entra a semelhança com Dilma Rousseff.

Em diversos momentos da campanha, como no debate da Band, Ciro citou setores nominalmente, detalhando intervenções com a precisão de um passe do Iniesta. Assim como Dilma, Ciro quer desenhar novos mercados com canetadas. Novamente, tem tudo para dar errado – a quantidade de consequências não-intencionais e imprevistas costuma ser grande demais, levando à destruição de outros setores.

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Há, no candidato, muita disposição para políticas econômicas expansionistas, destinadas a aumentar o emprego no curto prazo. Pouco diz sobre seus custos e as distorções resultantes. Segundo o candidato, o alívio em dívidas do SPC consumiria cerca de R$ 60 bilhões, aproximadamente dois anos de Bolsa Família. Esse tipo de política pública, com estímulos de curto prazo ao emprego formulados com mais vontade do que avaliação, foram uma marca dilmista.

Foi com ideias assim, que pareciam razoáveis e tinham custos subestimados através do envolvimento de bancos estatais, que o Brasil chegou na atual situação fiscal. O subsídio ao lucro de grandes empresários (no caso, bancos) é outro traço dilmista nas ideias de Ciro para o SPC.

Afastar-se de Dilma é uma preocupação frequente de Ciro, que se pretende original em seu desenvolvimentismo, mas as semelhanças são grandes demais para serem ignoradas. A proposta de reduzir os juros indo para cima dos bancos, ignorando que apenas 14% do spread bancário correspondem à margem de lucro, segundo cálculos do Banco Central, é mais uma proposta com tudo para dar errado. O uso de reservas do Banco Central para financiar o BNDES, num período em que Argentina e Turquia pagam caro por restrições externas, sugere um comportamento arrojado que não se recomenda a endividados.

A seu favor, Ciro garante um histórico responsável quando teve orçamentos sob seu comando. Garante, portanto, ser diferente de Dilma, lembrando de críticas à irresponsabilidade fiscal da presidente. Mas Dilma tinha tudo isso: nas eleições de 2010, a própria tinha a seu favor superávits primários nos tempos de Casa Civil, e em 2011 comandou um breve ajuste fiscal enquanto trouxe Antonio Palocci de volta ao governo.

Planos duram até a primeira intempérie. Caso eleito, Ciro enfrentará crises e será obrigado a mudar de ideia. Quando um imprevisto acontecer, os conselheiros econômicos do presidente provavelmente serão economistas desenvolvimentistas da FGV paulista. Nos últimos anos, o candidato vem se aproximando desse grupo, através de economistas como Nelson Marconi e Bresser-Pereira. Com essa informação, será que o leitor que consegue adivinhar as filiações acadêmicas de Guido Mantega, Nelson Barbosa e Márcio Holland?

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