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O desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips é tratado como peça útil para parasitas obcecados por política.
O desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips é tratado como peça útil para parasitas obcecados por política.| Foto: Divulgação/Funai/Reprodução/Twitter

Era uma daquelas notícias simples. Tragicamente simples. O indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips desapareceram na Amazônia. Numa região remota da Amazônia, talvez fosse de bom tom esclarecer logo. Num primeiro momento, a notícia deveria ser motivo de preocupação, mas também esperança. Desaparecimento não significa necessariamente morte.

Mas em cinco minutos o que era uma notícia que poderia ter um desfecho até mesmo aventuroso (“Indigenista e jornalista reaparecem depois de viver ‘Largados e Pelados’ na Amazônia”) foi ganhando camadas e mais camadas de imposturas e caricaturas e intrincadas teorias da conspiração. Em cinco minutos o que era um desaparecimento se transformou em bandeira a ser levantada por parasitas. Uns, incapazes de reconhecer a dignidade intrínseca a todas as pessoas, inclusive nossos adversários; outros, incapazes de sofrer com uma tragédia quando ela serve a seus interesses políticos.

Ah, Paulo. Mas o indigenista lá era petista e o jornalista era esquerdista. Eu sei. Mas isso, por acaso, os torna menos dignos? Militontos equivocados, vá lá, mas até os mais tontos dos militantes equivocados merecem ser tratados com dignidade. Vou além: quando alguém celebra assim a morte dos adversários está implicitamente reconhecendo a inferioridade de suas ideias. Nossas ideias só são admiráveis se forem capazes de combater ideias de mesmo tamanho e peso. Não se chuta bêbado ladeira abaixo.

Até onde pude ver, realmente o trabalho de Bruno Pereira e Dom Phillips se baseava em premissas que julgo para lá de equivocadas. Digo mais: são premissas com um alto poder de destruição no médio e longo prazo. E digo mais ainda: são premissas assentadas num abominável instinto eugenista. Mas nem por isso mereciam o desaparecimento e, à medida que o tempo vai passando e as esperanças vão diminuindo, a morte. Nem por isso mereciam perder a oportunidade de, quem sabe, reconhecerem o erro e se redimirem.

Presunção da maldade

Do outro lado desta guerra que, no final das contas, é a milenar guerra dos homens contra suas consciências, não demorou para acusarem o presidente da República pelo sumiço dos militantes. Diante da prevalência dessa presunção da maldade, fico me perguntando como é que os antiqualquer-coisa conseguem dormir à noite se sabem que há um monstro malvadão que trabalha 24 horas por dia para, entre uma motociata e outra, derrubar uma selvazinha, atacar o STF e, aqui e ali, eliminar dois adversários políticos numa região remotíssima de uma floresta tão grande que deveria se chamar Amazoníssima.

Mas calma que piora. Sempre piora. Depois de uma semana, a esperança que resta é pouca e a polícia já tratou de encontrar um suspeito. À medida que surgem notícias horríveis, os parasitas dos cadáveres úteis botam as asinhas de fora, sem a menor preocupação com o fato de que os desaparecidos têm uma família que provavelmente jamais poderá se despedir de seus entes queridos. Aliás, vale aqui dizer algo que é muito mais do que uma simples frase de efeito; é uma obviedade que, em tempos de polarização insana, sempre insana, se tornou conveniente esquecer:  por mais politicamente equivocada que uma pessoa seja, ela sempre será querida para alguém.

Nessas horas, vale o velho e pouco praticado exercício de se colocar no lugar da mãe, esposa ou filho enlutado. Como você reagiria se seu pai desaparecesse e você jamais viesse a saber o que de fato aconteceu com ele? E aqui ressalto que nem toda tragédia tem culpados políticos. Talvez os homens tenham caído num rio infestado de piranhas. Talvez tenham sido vítimas de uma tribo que vive isolada e para a qual não se aplicam as regras da civilização. Talvez (e apesar de toda a experiência e tecnologia) tenham se perdido. E talvez tenham sido mortos por alguma desavença menor naquele território praticamente sem lei.

“Exijo resposta”, escreveu um parasita comunista – com o perdão do pleonasmo que, além de vicioso, fede. O ministro Luís Roberto Barroso ordenou que os perdidos fossem encontrados. Na marra! “O culpado é o presidente”, escreveu alguém. Em comum, essas pessoas têm a abjeta obsessão pela política e a crença de que toda morte precisa de um algoz – coincidentemente, em geral um adversário ideológico.

Antes de encerrar o texto, fica aqui o destaque para o pensamento ultrapositivista de Barroso, que claramente acredita que sua caneta tem poderes mágicos não só para encontrar duas pessoas na imensidão verde, mas também para resolver todos os problemas da Humanidade. Não, o problema não são pessoas equivocadas que se embrenham na mata hostil para defender a narrativa neomalthusiana do ambientalismo; o problema são mesmo essas autoridades limpinhas, que nunca viram de perto onça ou miséria, mas que se acham intelectualmente divinas (não são).

Isso, aliás, explica por que vivemos tempos que  insistem em pegar uma notícia simples e triste, mas inicialmente cheia de esperança, e transformá-la numa narrativa a ser usada por publicitários na criação de um mundo odioso, onde viver é deprimentemente indesejável.

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