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"Ensina-me, Senhor, a ser ninguém./ Que minha pequenez nem seja minha". João Filho.

Carnaval sim ou carnaval não, eis a questão

Rafael Nogueira: não, ele não é o dono da Pringles. (Foto: Reprodução/ Twitter)

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Rafael Nogueira, ex-presidente da Biblioteca Nacional no governo Bolsonaro, foi nomeado presidente da Fundação Cultural de Santa Catarina. Os artistas catarinenses espernearam. E tentaram fazer pressão sobre o governador Jorginho Mello, sob a justificativa de que Nogueira não gosta de carnaval e isso é um absurdo! e fogueira nele! e sem anistia! e etc.

Na verdade dizer que Nogueira não gosta de carnaval talvez seja ao mesmo tempo um eufemismo e um exagero. Eufemismo porque o que ele disse foi que “carnaval é uma m****”. Exagero porque, convenhamos, a frase não é nenhum primor de argumento. Ele poderia ter substituído o palavrão por “porcaria” ou “maravilha” e o efeito seria o mesmo: nenhum.

A frase e a reação da esquerda me fizeram pensar que, para esses puristas, toda pessoa ligada à “cultura” tem que se enquadrar num molde ideológico. Tem que achar Frida Kahlo linda, ouvir Chico Buarque, dizer que entendeu Glauber Rocha, condenar Monteiro Lobato – e, claro, se esbaldar no carnaval.

Para essa esquerda cada vez mais vulgar, qualquer um que ouse colocar um pezinho para fora desses limites intelectuais (sic) e estéticos estará condenado à execração pública. (E o pior é que a direita cada vez mais pensa igualzinho). Mas não é disso que esse texto trata, embora eu ache que não fiz você perder tempo, leitor. Ou será quê? Bom, se fiz, peço desculpas e abro um intertítulo para, finalmente, atiçar essa prosa.

Lenha na fogueira

Carnaval ou não carnaval? Isso é o que chamo de polarização! Muito mais aguerrida do que um Fla-Flu ou Atletiba. Muito mais belicosa do que Bolsonaro versus Lula. Mais hostil do que STF x Constituição. E, filosoficamente, mais profunda do que o ser-ou-não-ser de Shakespeare.

Eu não gosto. Nunca gostei. E tenho pena, não raiva, de quem gosta. Digo, depende do argumento que o folião usa. Se ele diz, por exemplo, que carnaval é uma expressão importante da cultura popular, sinto primeiro raiva e, só depois de uns dois dias, pena. É quando já perdi o ímpeto de responder que o carnaval está para a cultura popular assim como Lula está para a classe trabalhadora.

Um dia, talvez, essas associações tenham feito sentido. Você, por exemplo, escuta sambistas de cabelos brancos contanto dos “carnavais d’antanho”, cheios de inocência e gente cheirando lança-perfume, e logo lhe vem à mente uma marchinha politicamente incorreta, bem como a moral prontamente restabelecida na Quarta-feira de Cinzas.

Hoje não. Hoje carnaval é desfile de escola de samba com enredo ideológico. É orgia ao ar livre. É música ruim. É como diz meu amigo Felipe, que prefere ficar anônimo: há o carnaval teórico, histórico, nostálgico (e, desconfio, um tiquinho fantasioso). Esse é possível admirar. Já o carnaval-de-verdade é só gente bêbada rebolando vulgarmente ao som de um interminável tuntitum. Desse não há como gostar. Nem teoricamente.

Mais raiva ainda (também substituída pela pena depois de três ou quatro dias) tenho de quem pergunta: quem é você para não gostar de carnaval? O Dom Pedro II gostava. O Gilberto Freyre gostava. O Nelson Rodrigues gostava. O Chacrinha gostava. O É O Tchan gostava. A Preta Gil gostava. A Anitta gostava. E se você percebeu certa decadência na sequência das frases, eis aí meu contra-argumento.

Pena-pena eu sinto é de quem se esforça para ficar alegre no carnaval. Quem se submete voluntariamente a essa obrigação e seus penduricalhos. A obrigação de estar eufórico. A obrigação de estar bêbado. A obrigação de querer, como direi sem ser chulo?, fornicar. A obrigação de passar os mais abomináveis perrengues para depois dizer: “vocês não acreditam no que eu passei no carnaval de 2023!”.

O que não quer dizer que o carnaval deva ser banido ou proibido. Somente desencorajado. Sutilmente. Até que um dia a maioria das pessoas se dê conta do erro que é dedicar quatro dias do ano para celebrar o que é mundano. Por mais “cultural” que isso seja. Por mais que Dom Pedro II gostasse. Por mais difícil que seja resistir à pressão do folião que te puxa pela manga da camisa e diz: "Vamos para o bloquinho! Deixa de ser chato!".

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