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Marcos do Val
Marcos do Val: polêmica do plano ridículo só serve para preencher os vácuos da nossa alma.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Simone Weil diz que todo pecado é uma tentativa (e uma necessidade) de se preencher um vazio. Um “vácuo na alma”. Impossível ler isso e não imaginar o homem andando por aí com a alma toda furadinha, preenchendo cada um dos espacinhos com uma manifestação do mal. Tudo para saciar essa vontade de ser Todo. O que é só mais uma forma de explicar o pecado original.

Veja o fenômeno sempre fascinante das redes sociais. O que são os milhões e milhões (e milhões) de tuítes trocados diariamente senão tentativas de se preencher um vazio individual e coletivo? A solidão de comentários que parecem implorar atenção. O tédio de quem não consegue parar para admirar a grama crescer. A ira que nasce de uma ideia inatingível de Justiça. A impaciência do “euqueroeuqueroeuquero". A preguiça de elaborar um raciocínio que vá além do lugar-comum e do insulto. E aí por diante.

Pensei nisso também ao acompanhar, na tarde de ontem (2), todo o imbróglio envolvendo o Senador Marcos do Val. Que, se entendi direito, e duvido que entendi, conversou com o ex-presidente e eterno bicho-papão da esquerda Jair Bolsonaro e com o agora preso político Daniel Silveira sobre um plano ridículo. Tão ridículo que eu vou abrir um parágrafo para tentar contar.

Exagero meu, claro. Nem precisava ter aberto outro parágrafo. Mas de vez em quando eu gosto da firula metalinguística e por isso aqui vai: o plano era fazer com que o ministro Alexandre de Moraes bancasse o vilão de James Bond e confessasse alguns de seus muitos safanões na nossa masoquista Constituição. A confissão seria providencialmente gravada e, depois, usada para se anular a eleição de Lula. Coisa de jênio.

Veja só. As pessoas nem bem estavam recuperadas do furacão Pacheco, que saiu desembestado pelo Senado na noite de quarta (1), destruindo esperanças e as reduzindo a um amontoado de cinismo. E, no entanto, nem 24 horas mais tarde estavam loucas, doidinhas, desesperadas por preencher o vazio aberto pela decepção do dia anterior. Desta vez com o falso escândalo, ou melhor, ESCÂNDALO de mais uma ocasião em que o ex-presidente cogitou a possibilidade de dar um golpe de Estado.

E dá-lhe a soberba de se sentir a única pessoa capaz de entender a realidade. Olha lá a gula de se sentir pertencente ao “lado certo da história”. Tudo isso ao redor da névoa permanente de raiva. Sem falar na preguiça de se dizer impotente diante de tudo isso – tão mais fácil, né? Mais uma vez, vazios preenchidos por pecados. Mais uma vez, as fraquezas são facilmente saciáveis pela onipresente tentação do passarinho azul.

Com bônus! Afinal, cedemos à tentação para nos sentirmos livres, sem jamais cantarmos o pagodinho providencial: o que é que eu vou fazer com essa tal liberdade? Para sentirmos que nossa opinião importa. E, last but not least, not at all, para sentirmos que estamos agindo como heróis de uma batalha épica contra o comunismo, a Nova Ordem Mundial, o imperialismo estadunidense ou os planos megalomaníacos da igualmente megalomaníaca China (não por acaso uma ditadura).

Os eventuais leitores materialistas ateus que me perdoem, mas enquanto for possível eu vou falar: a única coisa que preenche o vazio é Deus. Deus e não política. Deus e não redes sociais. Deus e não esportes. Deus e não série da Netflix. Deus e não vídeo game. Deus e não dinheiro. Deus e não a esperteza do sarcasmo. Deus e não a alegria de estar com a razão. Deus e não o prazer de humilhar o outro. Deus.

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