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Zé Celso
Zé Celso e eu: olho no olho.| Foto: EFE

Morreu Zé Celso Martinez Corrêa. O Zé Celso. Meus pêsames à família e aos fãs. Mas talvez você aí do outro lado da tela esteja se perguntando: quem é esse Zé Celso? Ou, para simplificar as coisas, talvez vocês estejam pensando o mesmo que uma amiga que me chamou agorinha há pouco no zap para perguntar com toda a sinceridade e ingenuidade do mundo: esse tal de Zé Celso era importante?

Era – foi a resposta que dei a ela. Para, no instante seguinte, me perguntar: será que era mesmo? O que o tornava importante a ponto de receber obituários nos maiores jornais do Brasil? E mais: o que significa ser importante num tempo de tantas importâncias pontuais e efêmeras? Munido dessas perguntas, vim aqui escrever este texto que na verdade é apenas uma desculpa para eu contar daquela vez em que fiquei olho a olho com Zé Celso.

Foi há muito tempo. No tempo em que existia teatro e teatro tinha alguma importância. No tempo em que eu tinha cabelos. Nesse tempo remotíssimo, importantes eram o Festival de Teatro de Curitiba e Zé Celso – uma verdadeira relíquia do desbunde da Tropicália. Naquele tempo eu, do alto da minha importância falsa, fiz questão de assistir ao espetáculo na primeira ou segunda fila. Para ver Zé Celso, aquele diretor e ator que me diziam ser mais do que importante. Aquele diretor e ator que me diziam ser uma lenda.

E lá fui eu para a Ópera de Arame. O melhor pior teatro do mundo. Ao meu redor, distintos senhôres e senhôras, eles engravatados e elas usando seus melhores vestidos. Começa o espetáculo e... Não tenho a menor ideia do que se passou no palco. Só lembro que em certo momento olhei para trás e vi o teatro quase vazio. Me perguntei por que é que ainda continuava ali vendo aquilo. E, enquanto procurava a resposta, fui ficando.

Onde não bate o sol

Pois eu deveria é ter ido embora. Porque no fim do espetáculo, por algum motivo Zé Celso se fantasiou de Papa. Foi até a frente do palco. Falou alguma bobagem panfletária para os idiotas que resistiam à vontade de sair correndo – eu entre eles. Virou-se. Abaixou-se. Ergueu a fantasia, relevando-se nu – e, não satisfeito, expôs aquela parte do corpo onde não bate o sol. E eu ali, na primeira ou segunda fila da plateia.

O que, pensando bem, talvez tenha sido a cena mais importante que vi num teatro. Afinal, depois daquele dia passei a reparar mais no ridículo dos artistas. No ridículo e na superficialidade. Justo eu, um enfant terrible que queria tanto chocar, percebi naquele momento quão patética é essa coisa de “abalar as estrututas da sociedade tradicional”. Com um pouco de exagero e um bocado de imprecisão, talvez eu possa dizer que naquele teatro feio, assistindo àquela peça caótica e diante da nudez agressivamente flácida de um velho, me tornei conservador.

Naquele momento eu me dei conta de que teria de abrir mão de muitas coisas para me tornar aquilo que os outros queriam que eu fosse. Aquele sonho que no fundo era alheio. Naquele instante percebi que jamais faria parte desse grupo que nega a própria dignidade em troca de uma sensação efêmera de importância. Naquela hora, percebi que seria para sempre um homem comum. Graças a Deus.

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