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Neymar Brasil Sérvia
Ei, Neymar, quantos gols você vai fazer no jogo de hoje?| Foto: EFE/EPA/NEIL HALL

Hoje tem jogo do Brasil na Copa do Mundo do Catar. Nada? Deixa eu tentar de novo: hoje tem jogo do Brasil na Copa do Mundo do Catar. Nada ainda? Vai ver não estou sendo enfático o bastante. Tentemos uns pontos de exclamação: hoje tem jogo do Brasil na Copa do Mundo do Catar!!!! Nada. Ué, isso nunca me aconteceu antes... Vou tentar uma última vez antes de prosseguir com o texto: hoje, dia 24 de novembro de 2022, às 16 horas, o Brasil entra em campo pela primeira vez na Copa do Mundo do Catar. Ah, o jogo é contra a Sérvia.

Nada. Absolutamente nenhuma reação. Não ouço nenhum grito de “Vai, Brasil!”, de “O Hexa é nosso!”, de “Pra cima deles, Neymar!”, de “A Sérvia não é de nada!”. Ouço apenas gritos de "Juiz ladrão!", mas acho que não tem a ver com o futebol. No Brasil de hoje, a rigor esta é uma quinta-feira normal, dia de Júpiter e véspera de sexta. É como se uma Copa do Mundo não estivesse sendo disputada no longínquo, exótico e cafona Catar. Como se o Brasil não fosse favorito (dizem). Como se já não fizesse 20 anos desde que Vampeta desceu rolando a rampa do Planalto.

Pior! O dia de estreia da Seleção Brasileira na Copa do Mundo se transformou em dia de se posicionar politicamente. Impossível dizer que às 16 horas se pretende estar confortavelmente sentado diante da televisão sem ouvir uma reprimenda. É neste momento, aliás, que os dois polos da política parecem esquecer as desavenças. É quando o “Como assim você vai dar audiência para a Rede Globo?!” dá as mãos para o “É impossível torcer para essa Seleção fascista!”.

Eu, que não tenho nada a ver com isso e só espero que o Brasil ganhe da Sérvia por dois a zero para não continuar em último lugar no bolão, contemplo com a perplexidade de um velho cada vez mais ranzinza o mau humor que me rodeia. É como se não houvesse vida fora da política e do medo que ela desperta. E logo depois me perco no delírio de ser o portador da má notícia para Nelson Rodrigues e Paulo Mendes Campos: em 2022, o brasileiro não está nem aí para a Copa do Mundo do Catar. Dá para acreditar?

Num primeiro momento eles não acreditam, dizem que só posso estar brincando, que não é possível, que o futebol é a alma do brasileiro, que isso, que aquilo. “Se não somos mais a pátria de chuteiras, no que nos transformamos?”, pergunta Nelson Rodrigues tomando um Chicabon. Temendo matar os dois cronistas pela segunda vez, hesito, mas acabo respondendo o óbvio: nos transformamos no país da política. “Até durante o jogo da seleção na Copa do Mundo?!”, me pergunta um escandalizado xará. “¯\_(ツ)_/¯”, respondo. E estou sendo sincero!

Troco o sonho pela memória assim como quem abre um parágrafo à toa e, quando percebo, estou diante da caixa mágica cujos noticiários esquerdistas hoje tanto me ofendem. Sou menino de cabelos fartos e gigantescas orelhas de abano. Minha família me cerca na expectativa boa. Depois de alguma insistência, mamãe (ela odeia que a chame de “mamãe”) nos permite fazer uma pipoquinha. Durante 90 minutos, ganho até permissão para xingar, de leve, o juiz. E o melhor: sem ser considerado antidemocrático por causa disso.

Hoje tem jogo do Brasil na Copa do Mundo do Catar. Em campo, Neymar e outros dez caras cujos nomes me escapam. Não sei você, mas, quando começar a tocar o Hino, e por mais que eu ache isso ridículo, vou me emocionar. Quando Galvão Bueno soltar seu “rrrrrrrrrrrrrola a bola”, torcerei como se um lateral ou um passe de dois metros no meio de campo fossem os lances definitivos de toda uma vida.

Quando o time adversário (uma tal de Sérvia) subir ao ataque, me sentirei diante do abismo. Ufa! Essa passou perto. Quando o juiz consultar o VAR, reclamarei da tecnologia, do esporte de alto rendimento, da modernidade, dessa palhaçada toda. Quando o árbitro der falta para o Brasil, pedirei cartões amarelos por causa de meros esbarrões e cartões vermelhos quando me der na telha.

E, como sou filho do meu tempo, na hora do gol (se houver e haverá dois) celebrarei como se Alexandre de Moraes tivesse sofrido um impeachment. Ou melhor, como se Lula tivesse voltado para a cadeia da qual jamais deveria ter saído.

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