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Todo mundo correu para chamar Roberto Jefferson de vilão ou herói. Talvez até mártir da democracia! Poucos tentaram se colocar no lugar dele.
Todo mundo correu para chamar Roberto Jefferson de vilão ou herói. Talvez até mártir da democracia! Poucos tentaram se colocar no lugar dele.| Foto: Reprodução/ Twitter

Tinha voltado da Missa, de uma homilia bastante dura sobre a soberba (Lucas 18:9-14), quando me deparei com a notícia de que Roberto Jefferson tinha recebido à bala os policiais que foram prendê-lo. Por ordem de quem? Raimundo Nonato. Alexandre de Moraes, claro. Como acontece nessas ocasiões, a notícia nem bem havia se tornado fato e já era digna de análises. Ou melhor, julgamentos. Ou melhor, condenações.

Uns se apressaram em dizer que estávamos à beira de uma guerra civil. E eu vi, com esses belos olhos que a terra um dia há de comer, muita gente ansiosa pelo derramamento de sangue. Outros correram para dizer que Roberto Jefferson estava prejudicando ou beneficiando a campanha de Bolsonaro. Que mais? Ah, sim. Teve alguém dizendo que a reação de Jefferson era uma espécie de suicide by cop – o ato desesperado de um homem doente que sonhava em entrar para a história como mártir ou coisa parecida.

Aí é a tal coisa. A gente vai consumindo todas essas palavras, associando-as a quem as diz, e começa a formar uma imagem mental do ocorrido. Mesmo que as mais importantes variáveis permaneçam inacessíveis. Como vivemos numa época superficial e maniqueísta, imediatamente ligamos Roberto Jefferson à imagem de um vilão ou herói. De um Coringa ou de um... Como é o nome do personagem de Clint Eastwood em "Gran Torino"? Walt Kowalski!

E ninguém para para (maldita reforma ortográfica!) pensar no que faria se estivesse na mesmíssima situação, sem tirar nem pôr. Este talvez seja o nosso maior problema do nosso tempo. Um problema que se reflete em todas as nossas escolhas e decisões - inclusive na opção por Bolsonaro ou pelo ex-presidiário. Somos incapazes de nos colocar no lugar do outro a fim de compreendê-lo, e não julgá-lo. Não absolvê-lo nem condená-lo. Apenas e tão-somente compreender o que o levou a fazer isso e não aquilo.

“Ei, não vá embora!”

Este é o momento da crônica em que geralmente peço para o leitor fechar os olhos, se colocar no lugar de Roberto Jefferson e tentar imaginar qual seria a reação. Para isso, contudo, o leitor tem que vestir a pele do personagem. Tem que estar velho e doente, gostar de moto, cantar ópera, ter uma filha chamada Cristiane Brasil, etc. E tem que ter as mesmas convicções políticas e religiosas e o mesmo histórico de Roberto Jefferson, incluindo aí a participação no Mensalão. Tem que sentir a mesma raiva, tem que saborear o fel das mesmas mágoas, tem que vislumbrar as mesmas aspirações.

Difícil, né? Mas, sei lá. De repente você tem um tempinho sobrando nesta manhã nublada de terça-feira. Não custa tentar. Nem que seja para perceber justamente a dificuldade de se colocar no lugar do outro sem tentar compensar os defeitos alheios com nossas próprias qualidades. Isto é, sem contaminar o personagem com nossa personalidade falha-que-se-acha-perfeita.

A dificuldade de se colocar no lugar de outro, ainda mais quando o outro é uma figura tão complexa quanto Roberto Jefferson, é diretamente proporcional à facilidade com que julgamos as decisões desse outro. Chamar o outro de imbecil é mais fácil (e prazeroso) do que reconhecer que, em situação semelhante, nós também talvez agíssemos imbecilmente. Da mesma forma, é muito mais fácil cobrar coragem do outro quando não é a nossa vida que está em risco.

“Ei, não vá embora, não! Tá pensando que pode terminar a crônica assim, sem nos dizer o que você faria no lugar de Roberto Jefferson?!”, pergunta o leitor indignado, me segurando pelo braço. Dou meia-volta, franzo a testa, abro a boca para responder e, antes de sair correndo, deixo no ar uma frase vazia e tola, na esperança de que a confundam com uma frase enigmática e sábia: “Eu não faria nada igual que não fosse ligeiramente diferente”. Fui.

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