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esperança Brasil
Tenho esperança em mais esse brasileiro que vai nascer, mas não nessa abstração chamada “Brasil”.| Foto: EFE

Acho que foi logo depois das eleições. Me deixando levar pela enxurrada de informações, sem me preocupar em pegar leptospirose e hepatite na água suja, assisti a um vídeo no qual alguém, chorando, dizia ter perdido a esperança no Brasil. Era um choro doído (não confundir com doido) e sincero. Choro de desespero – do latim “de” (sem) + “sperare” (esperança).

Sei que muita gente se sente assim. Porque elas me dizem e também porque voltimeia também solto um “perdi a esperança nesse país de píííííííííííííííííííííí”. Outro dia mesmo, depois de bater com o dedinho no pé da mesa. E depois de ler meu amigo Claudio Shikida explicando a tragédia do novo arcabouço fiscal do jênio Fernando Haddad.

Nos últimos cem dias, aliás, não faltaram oportunidades de soltar a frase que já estava soando como um bordão. Posse de Lula? Perdi a esperança no Brasil. Idosos e crianças presos? Perdi a esperança no Brasil. Ministro entrando tranquilamente na favela? Perdi a esperança no Brasil. Plano de assassinato de Moro é armação? Perdi a esperança no Brasil. Inauguração de letreiro do Ministério da Cultura? Nesse caso perdi só a esperanç. Porque, quando percebi, tinham me afanado o último “a”.

Mas aí. (E nada de bom pode vir depois de um “mas aí”, mas este parágrafo é a exceção que confirma a regra. Garanto). Mas aí, durante uma conversa com meu amigo Francisco Escorsim, na qual resolvemos todos os problemas do país, como convém a dois homens de meia idade diante de um copo de cerveja, me veio ela, toda linda e cheia de graça, no doce balanço a caminho do bar: a epifania. Ficou curioso? Então continue lendo depois do nosso intervalo necessário & urgente.

Intervalo necessário & urgente

Pode pular, se quiser. Mas preciso falar e é agora. Estou há meses para contar que, durante um período de trevas, escrevi uma crônica intitulada “Desgraçado”. No texto, cujos detalhes me escapam e do qual não quero nem chegar perto, me descrevia como um desgraçado. Isto é, alguém a quem Deus negou a Graça. Um absurdo, concordo e enfatizo! Pois sabia que até hoje esse foi meu único texto considerado digno de antologia? Para você ter uma ideia da mentalidade do mundinho literário.

Venho por meio desta, contudo, declarar enfaticamente que me arrependo da ingratidão que expressei naquela crônica - ela, sim, desgraçada. Aquilo era resquício de um homem caído. De um homem à margem. De um homem que achava que a Graça de Deus se traduzia em reconhecimento. Em aceitação de pessoas que nem admirar eu admirava. Peço desculpas e encerro este intervalo necessário & urgente agradecendo por me saber um escritor abençoado para além dos meus sonhos. Agora, de volta à epifania.

A epifania

De repente me vi transportado para a remota década de 1980. Hiperinflação. Escassez de carne e leite. Moedas mudando de nome. Cid Moreira falando em desemprego. Crise. Onda de sequestros. Enchentes. Diante de tudo isso, o menino precoce e cabeludo (!) que fui já repetia o bordão sem pensar no significado daquilo. E foram necessários mais de trinta anos de “perdi a esperança no Brasil” para que eu finalmente me perguntasse, dois pontos.

O que significa “ter esperança no Brasil”? Não sabia a resposta para essa pergunta aos doze anos e não sei agora. E, pela cara de espanto, o Escorsim tampouco sabe. Significa ver essa enormidade caótica transformada numa Dinamarca? Aliás, qual país serve de parâmetro a nortear nossas esperanças ou falta-de? Ou será que, em criança, eu imaginava um país com ruas folheadas a ouro, onde todos tinham carrinhos de controle remoto e sorvete à vontade no café da manhã?

Falando sério e como adulto ou quase isso: que tipo de país seria a concretização daquilo que nomeamos de “esperança no Brasil”, mas que, desconfio, não passa de delírio progressista? Em que momento se pode dizer que um país bárbaro é civilizado? Quanto desenvolvimento basta para satisfazer as esperanças das pessoas? Ou será que o país ideal, o Brasil da “esperança realizada” é só mais uma das muitas cenouras que perseguimos asininamente do berço à cova?

Não tenho esperança no Brasil porque, na verdade, nunca tive esperança no Brasil. O que não significa que eu não tenha nutrido esperanças ao longo dessa vida. Tive esperança, por exemplo, de um dia escrever para esta Gazeta do Povo. E sobretudo de ser lido. Tive esperança de formar uma família. Tive e tenho esperança de não me faltarem boas companhias nas mesas da vida. Tive esperança de encontrar um caminho para a Salvação.

Mas esperança no Brasil? Não. Assim como “Humanidade”, o Brasil é uma abstração intangível, usada para justificar mesquinharias individuais travestidas de altruísmo, de interesse pelo bem comum e, nos casos mais extremos, até de amor ao próximo. O Brasil é isso que me cerca, mas sobre o que não tenho nenhuma ilusão de controle. O Brasil é a realidade política com a qual eu lido e em meio da qual navego, mas não a realidade que transformo para ver minha vontadezinha egoísta triunfar.

O Brasil é a massinha de modelar dos políticos e, sinceramente, já estou grandinho demais para acalentar a esperança de que, desta vez (ou da próxima ou da próxima), o castelinho colorido dos meus sonhos vai vingar. E tudo bem. [DANDO DE OMBROS]. Nem queria mesmo.

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