

Chegou da escola decidido. Largou a mochila no sofá da sala e foi direto à cozinha. De hoje não passaria. Precisava ter uma conversa muito franca com ela.
– Mãe, preciso falar com a senhora! – disse com a voz empostada. Se é que um guri de 7 anos consegue ter a voz empostada…
A mãe, assustada, largou as panelas no fogão e se sentou com o filho. Ele nunca havia falado naquele tom.
Pensou mil coisas. “Valha-me, Deus, será que ele está sendo zombado pelos amiguinhos porque tem alguma dificuldade de aprendizado? Ou será que ele está com medo de ir pra escola? Vai que brigou com algum coleguinha de turma…”, passava pela cabeça aflita da mulher.
– Que foi, meu filho?
– Mãe, a partir de hoje não vou mais tomar banho!
Era pior do que pensara. Pois menino nessa idade quando põe na caixola de não querer tomar banho não tem quem segure. E ela sabia que tal dia chegaria mais cedo ou mais tarde. Pois todo menino passa por essa fase na vida. Tudo bem que alguns a estendem um pouco mais, como aquele primo que vive até hoje às custas da tia Madalena e que aos 35 anos ainda não conseguiu um lugar no mercado de trabalho. Mas não vem ao caso.
A questão era que o tão aguardado dia do confronto da higiene pessoal havia chegado. Sabia que dali por diante não seria nada, nada fácil pôr o guri debaixo do chuveiro.
– Como não, meu filho? Você tem que tomar banho…
– Não, mãe, não tenho.
– Por que não tem?
– Porque sou limpo. E se sou limpo, não preciso tomar banho. Eu não me sujo. Por isso não preciso tomar banho. Banho é pra quem é sujo – disse firme, com os pés que não alcançavam o chão balançando na cadeira.
Uma coisa ela tinha que admitir: o pequeno sabia argumentar. “Vai dar um bom advogado”, pensou.
A primeira ideia foi ralhar com o menino. Dizer que tinha sim que tomar banho. Que banho era para ser tomado todo dia, no calor ou no frio. Com que cara ela ficaria com o filho indo sujo para a escola, para o clube, na casa dos colegas…
Quando ia começar o sermão, mudou de ideia. Achou que para conscientizá-lo o melhor seria a própria experiência. A intuição de mãe lhe falava mais alto.
– Pois muito bem, meu filho. Você é que sabe…
O menino estranhou não levar nem uma bronca.
– Mas com uma condição… – disse ela – Você tem que me garantir que não vai mesmo se sujar.
– Combinado, mãe! Toca aqui.
Selaram o acordo.
No outro dia acordou, tentou pentear o cabelo, mas sem tomar banho não tinha como. Vestiu o uniforme e foi pra escola com a aparência de que um gato com fortes pesadelos e garras afiadas havia dormido em sua cabeça. Virou motivo de chacota na escola.
No outro dia, a mesma coisa. Com a diferença de que o fudum começava a transparecer. No terceiro, já havia tomado conta dele. No quarto, ninguém mais queria ficar por perto. Nem pro futebol do recreio era convidado – logo ele, o craque da escola. E não podia mesmo. Futebol suja. E prometera à mãe que não se sujaria.
No quinto dia fraquejou. Ao perceber que nem o cachorro, sempre tão fiel, queria papo com ele, desistiu. Vencido, pegou a toalha e foi para o banho.
A mãe gritou da porta do banheiro, com um sorriso no rosto:
– E lave bem atrás da orelha!
Naquele instante, ela teve certeza de que o filho não seria apenas um advogado. Seria um advogado limpo. Intuição de mãe!



