
Ouça este conteúdo
“Todos os homens são criados iguais e dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade”. Esse texto foi escrito pelo americano Thomas Jefferson. Ele faz parte da Declaração de Independência das treze colônias inglesas na América do Norte e foi aprovado por seus representantes em 4 de julho de 1776.
Esse é um documento único. É difícil encontrar outros documentos governamentais que falem sobre felicidade, muito menos que reconheçam na sua busca um direito dos cidadãos. Há quem aponte para a Declaração de Independência como a fonte de muitas peculiaridades dos Estados Unidos, entre elas uma robusta defesa da individualidade e da autonomia pessoal.
Os burocratas estatais erram quando pensam que conseguirão intimidar quem já enfrenta a dura luta pela sobrevivência em meio ao crime que domina tudo, à corrupção que contamina tudo e à burocracia que tudo dificulta
O texto não fala sobre direito à felicidade, mas sobre o direito de buscá-la. É uma diferença gigantesca. Nenhum governo pode garantir a felicidade. Mas é justamente essa a promessa dos governos esquerdistas: vamos te fazer feliz garantindo a satisfação de todas as suas necessidades alimentares, habitacionais, médicas, financeiras, culturais, ocupacionais, recreativas, afetivas e até sexuais (no carnaval de 2020, por exemplo, a prefeitura do Rio de Janeiro distribuiu 64.529 kits com gel lubrificante e preservativos). Esse equívoco é resultado de uma mistura confusa das melhores intenções da revolução francesa com as piores ideias do marxismo.
O melhor que qualquer Estado pode fazer é cumprir sua missão essencial: garantir os direitos fundamentais. Entre eles estão o direito à vida, o direito de ir e vir, a liberdade de expressão (que, naturalmente, inclui o direito de criticar o governo) e o direito à propriedade (um direito essencial para a proteção do cidadão e de sua família). Em geral, o Estado brasileiro falha na garantia desses direitos. Todos os anos, mais de 40.000 brasileiros morrem assassinados (são um milhão de homicídios a cada 20 anos); a censura virou uma obsessão estatal; e a propriedade privada é refém permanente do humor dos burocratas do Estado (que decidem se ela tem, ou não, uma certa função social).
VEJA TAMBÉM:
Mas, como até um relógio parado está certo duas vezes por dia, o Estado brasileiro às vezes acerta. Um desses acertos foi o Pix, uma forma rápida e conveniente de transferir dinheiro. O Pix foi adotado pelo povo. Prestadores de todo tipo de serviço, vendedores ambulantes e até pedintes (em pelo menos dois casos que eu testemunhei) substituíram dinheiro por Pix. Sempre me espantou que o Estado brasileiro conseguisse criar algo tão útil.
Há poucos dias, o Estado comunicou a criação de um procedimento novo: operadoras de cartão de crédito e instituições de pagamento seriam obrigadas a informar operações que somassem mais de R$ 5 mil (pessoas físicas) ou R$ 15 mil mensais (empresas). O objetivo seria aumentar o controle sobre as operações e evitar evasão fiscal e sonegação.
A mudança no Pix, pessimamente comunicada, gerou grande alarme, principalmente entre os mais humildes. A maioria das pessoas não entendeu a mudança e nem seu impacto. A culpa não é do cidadão. Gato escaldado tem medo de água fria. Todo mundo está acompanhando o déficit nas contas públicas. O trabalhador brasileiro já entendeu que, no final, ele pagará essa conta. Se existe um povo acostumado a esperar sempre o pior dos seus governos, esse é o povo brasileiro.
A consequência foi uma onda de indignação que se espalhou como um incêndio numa floresta da Califórnia; um sentimento muito próximo da reação ao aumento das passagens que levou às manifestações de 2013, embalada pelo slogan “não é só por vinte centavos”. Pessoas me paravam na rua para pedir esclarecimentos, dividir sua frustração e falar de tudo o que o Estado faz que as deixa inseguras, ameaçadas e confusas. As redes sociais foram inundadas por protestos. O vídeo do deputado Nikolas Ferreira comentando o assunto teve mais de 300 milhões de visualizações só no Instagram, um provável recorde mundial.
VEJA TAMBÉM:
A reação do Estado e de seus porta-vozes foi ameaçar os que protestavam e sugerir a cassação do deputado. O Estado finalmente recuou da mudança no Pix, mas as ameaças continuam. Uma jornalista de um dos maiores conglomerados de mídia do país afirmou no ar que “desacreditar e atacar medidas públicas é crime”, uma frase que já pode ser usada como slogan do Estado Novo de Direito.
Mas um cristal quebrado não pode ser reconstruído, e não existe cristal mais frágil do que a confiança de população mais humilde, dos homens e mulheres pobres que pagam as contas do luxo e do nepotismo.
Os burocratas estatais erram quando pensam que conseguirão intimidar quem já enfrenta a dura luta pela sobrevivência em meio ao crime que domina tudo, à corrupção que contamina tudo e à burocracia que tudo dificulta.
Não foi só pelos vinte centavos. Não é só pelo PIX.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos




