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Roberto Motta

Roberto Motta

Um regime paranoico

A Revolução

O Brasil é um filme ruim, feito por um diretor em final de carreira, financiado com dinheiro público e de exibição obrigatória. (Foto: Imagem criada usando ChatGPT/Gazeta do Povo)

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O Brasil é um filme ruim, feito por um diretor em final de carreira, financiado com dinheiro público e de exibição obrigatória. Como no filme Laranja Mecânica, os reeducadores da pátria nos obrigam a ficar de olhos abertos e assistir, milhares de vezes, o roteiro implausível e os atores constrangedores, até a morte.

Viver no Brasil é ter a expectativa da violência estatal. Nela se inclui a atividade criminosa, que só é possível, na intensidade e escala que conhecemos, porque os criminosos recebem do Estado uma autorização especial para operar - a verdadeira licença para matar. As razões já foram exploradas no meu livro A Construção da Maldade; desde a publicação do livro, entretanto, os criminosos foram ultrapassados pelo próprio Estado, despido, por aqueles que o controlam, de toda a inibição que restava.

Não há diagnóstico simples que explique como chegamos aqui. O único elemento que trago ao debate é meu espanto

Justificado pela defesa de um simulacro de democracia, o Estado avança sobre o cidadão e dele toma tudo: direitos, liberdade, corpo, propriedade e ideias. Testemunhar a história recente é assistir à gradual dissolução da vida privada, da consciência, dos direitos individuais e da autonomia intelectual e moral. No Brasil, o ano de 2025 foi 1984 - somado com A Revolução dos Bichos, Admirável Mundo Novo e Arquipélago Gulag.

Há dias em que o país é uma releitura subtropical da Coreia do Norte, um regime paranoico sustentado por polícia política, mega escândalos e alinhamento com o fanatismo internacional. Em outros dias somos a Venezuela do Sul, uma ditadura de chapéu de palha e progressismo de fachada, temperada com bravatas, cachaça e maconha.

Voltamos a 1889 em pleno século 21. A república, criada com um golpe, usa o medo de golpes como motivo para um mergulho em um poço de arbítrio, sujeira e escuridão. O povo estava certo em temer pelo futuro. O futuro chegou; e como os criminosos não foram presos pelos crimes que cometeram, inocentes são presos pelo que não fizeram. Olavo tinha razão.

Não há diagnóstico simples que explique como chegamos aqui. O único elemento que trago ao debate é meu espanto. Dizem que virá uma revolução; mas é pouco provável que ela seja o que a maioria espera, porque as revoluções nunca são. Enquanto ela não chega, preservo a sanidade tirando lixo da praia. Me olham como se eu fosse louco; mas só essa semana recolhi mais de dez quilos de plástico que acabariam no mar.

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A maré subia, a água se aproximava da imundície espalhada na areia e ninguém fazia nada. A maioria dos frequentadores tomou a decisão de esticar a toalha e sentar, com a família, no meio da sujeira. Mas companheiro, basta arranjar um saco e limpar ao seu redor. Se não há disposição para isso, tudo está perdido.

No dia de Natal voltei à praia com a família. Um dos homens que trabalham nas barracas nos abordou no calçadão.

“Alô família, fiquem aqui com a gente. Duas cadeiras e um guarda-sol por R$ 30, é promoção”, ele disse. “A praia está ótima”.

Agradecemos e andamos rumo à barraca do Baiano, mais à frente.

Insatisfeito, o homem insistiu. Lá de trás veio a voz dele, em um tom diferente:

“Lá onde vocês estão indo é confusão. Já teve arrastão hoje”.

Olhei para a minha mulher e ela olhou para mim. Mas o homem ainda não tinha terminado. Enquanto nos afastávamos ele continuou a falar. O tom era de ameaça:

“Eu avisei. Vocês estão indo para lá por sua conta e risco”.

O Brasil é um filme ruim. 

Que venha a revolução.

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