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Escrever é como lavar roupa

Depois de aproveitar o fim de semana para reler “As Palavras”, de Jean-Paul Sartre, o professor Afronsius chegou afiado para o bate-papo com Natureza Morta e Beronha. Nosso anti-herói de plantão, no entanto, pediu para ser dispensado: “Meu negócio é futebol. Dos Jogos Olímpicos, é claro”…
Professor Afronsius foi em frente, citando Sartre: “Comecei minha vida como hei de acabá-la, sem dúvida: no meio de livros”. O filósofo conta ainda que no gabinete de seu avô havia livros por toda parte, e que “era proibido espaná-los, exceto uma vez por ano antes do reinício das aulas em outubro”. Ele, Sartre, ainda não sabia ler, mas “já reverenciava essas pedras erigidas: em pé ou inclinadas, apertadas como tijolos nas prateleiras da biblioteca ou nobremente espacejadas em aleias de menires; eu sentia que a prosperidade de nossa família dependia delas”.

A palavra foi feita para dizer

A propósito de livros e da arte de escrever, o solitário da Vila Piroquinha colocou à mesa um recorte de jornal. Mais precisamente de uma reportagem do Jornal do Brasil/Ideias Livros, 19 de setembro de 1998, recuperada pela seção Achados&Perdidos, exclusiva do blog.
Trata-se de uma conversa entre Graciliano Ramos e Joel Silveira, sobre a arte de escrever (ou “a palavra foi feita para dizer”). O relato é do segundo, a respeito do lançamento do livro de memórias “Na Fogueira”, Maud Editora.
– Quem escreve deve ter todo cuidado para a coisa não sair molhada.
Joel não entendeu, Graciliano explicou:
– Quero dizer que da página que foi escrita não deve pingar nenhuma palavra, a não ser as desnecessárias. É como pano lavado que se estira no varal.
E prosseguiu:
– Naquela maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Sabe como elas fazem?
– Não.
– Elas começam com uma primeira lava. Molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Depois colocam o anil, ensaboam, e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Depois batem o pano na laje ou na pedra limpa e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso, a palavra foi feita para dizer.

Restou o ps

Para encerrar o papo junto à cerca (viva) da Vila Piroquinha, Natureza citou o professor Fortuna, de Luis Fernando Verissimo, em “Os Espiões”: para ele, a literatura terminou com Sófocles.
– Tudo que veio depois é post scriptum…

ENQUANTO ISSO…


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