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Biblioteca Professor Victor Folquening


( O Victor com o pai, a mãe e o irmão Felipe, no colo. A foto é mais ou menos da época em que nos conhecemos)

A simpática cidade de Quatro Barras vai ganhar a Biblioteca Pública Municipal Professor Victor Folquening! Victor, se vocês não sabem, foi jornalista da Gazeta do Povo e professor/coordenador do curso de Jornalismo da UniBrasil, entre um milhão de outras coisas. Uma delas, meu amigo de infância e, como ele disse nos agradecimentos de seu livro Jornalismo É Humanismo (ed. Pós-Escrito, 2002) “sócio em todos os planos”. Quais eram os planos? Escrever livros, roteiros, fazer humor, jornalismo, etc.

Em 31 de janeiro deste ano um ônibus (talvez dois!) o atropelou no cruzamento das ruas Alferes Angelo Sampaio com a Sete de Setembro. (Eu preciso escrever isso no texto mesmo?) E ele se foi.

A inauguração da biblioteca será neste domingo, dia 27/05 as 14h00. Uma linda homenagem a ele que era obcecado por livros, escrita, literatura. Para lembrar do senso de humor desse cara, publico um texto dele de 2008 sobre uma das nossas últimas desventuras:


INFÂNCIA AOS 30!

No começo do ano, escrevi umas trinta páginas de roteiro que venho burilando desde 2004. A idéia é basicamente mostrar que os problemas da infância são os mesmos que temos aos 30.
E duas semanas atrás tive mais uma comprovação disso.
Na infância, eu e o Benett montávamos expedições longuíssimas através do matagal que cercava a Santa Paula, bairro em que morávamos.
A dupla levava lanterna, cordas, garrafa de água e, certa vez, até faca cega de cozinha que o Benett sorrateiramente pegou na gaveta da Dona Odília.
Mas essas aventuras davam em nada. No máximo, a gente errava o carreiro e se perdia, demorando duas ou três horas a mais para chegar em casa, período em que inexplicavelmente chovia.
A utopia era encontrar o que na época chamávamos de “macumba” – uma maneira lírica de se referir a sacrifícios humanos em oferenda ao demônio. Hoje sabemos que há mais presentes para Satanás nos comerciais de banco do que nos singelos rituais religiosos com os quais, porventura, a gente deparava.
Pois bem, ontem aconteceu a mesma coisa.
Tínhamos que chegar à Companhia do Abração, onde começaria o curso do Antropofocus para ator cômico. A primeira coisa que o Bntt perguntou, ao entrar no carro, foi: “Você sabe como chegar lá?”
Em geral, há três frases que ninguém aguenta mais. A número 1 é: “Muito vento aí atrás?”, naturalmente relacionada a motoristas solícitos. A medalha de prata: “Corrija com carinho!”, ouvida com penosa frequência por quem, como eu, é professor. Completando o pódio: “Esfriou, né?”, essa geralmente no elevador, acompanhada de um levantar de ombros e da mão esquerda esfregando o braço direito.
Comigo, no entanto, a frase mais comum é: “Você sabe como chegar lá?” (embora também ouça bastante: “Segure direito essa colher” e “Me solte”).
Então: eu não sei chegar lá.
Mas naquele dia eu liguei umas seis vezes para os caras e pensava que sabia. Além disso perguntei para uma dúzia de pessoas durante o dia. Pensa que é mentira? Perguntei para a Diviane, no Museu de Bonecos de São José dos Pinhais. Para o professor de Direção Teatral. A três colegas de sala. Perguntei para a Débora, a quem dei carona na volta do curso vespertino. Para a Priscilla, que fez uma pesquisa na lista telefônica. E à Regina, mãe da Priscilla. No caminho, eu solicitei a ajuda de um segurança de galpão, do sujeito manco que vendia macarrão artesanal, da garota curvilínea que andava a esmo nas ruas escuras do Jardim Social (embora não tivéssemos qualquer esperança de que ela soubesse… disso, pelo menos).
Para piorar, o cheiro de algo queimando começou a tomar conta do carro. Assim como não abro correspondência e evito ler os emails de quem quer brigar ou se reconciliar comigo, tentei fingir que o odor não existia. Quando Bntt finalmente mencionou o problema, a única idéia que me ocorreu foi verificar se o freio de mão não estava puxado.
Dei três voltas obscuras para chegar, finalmente, às sete horas em ponto, na rua Paulo Idelfonso Assunção.
Felicidade! O cheiro de queimado foi embora.
Aí entramos e ficamos sentados quinze minutos, na companhia de uma garota de uns 16 anos, com rosto assustado e aparelho nos dentes.
“Oi, tudo bem? Veio para o curso?”
Ela respondeu duas vezes para eu entender. E a segunda ainda foi nessa altura:
“É. Eu quero fazer o curso para lidar com a timidez”.
Os camaradas do Antropofocus andavam aflitos, de um lado para o outro, até que finalmente sentaram nos sofás, esfregando as mãos. Um deles usava desses casacos de lhama que o Cassiano passou a adotar depois que foi a Machu Pichu.
“Vamos dar mais uns minutos e ver se chega mais gente”.
Eu e Bntt, experientes em fracassos, já havíamos sacado que não chegara a grupo mínimo, mas para a menina foi uma surpresa:
“Minha prima vinha, mas ela não veio”.
Outros quinze minutos depois, todos desistiram e os humoristas, cabisbaixos, prometeram ligar para a gente “no dia seguinte ou em seguida”. Dizem que o curso regular é um sucesso e ouvi boas recomendações de várias pessoas ligadas ao teatro. Mas precisávamos – e obviamente não conseguimos – de pelo menos mais cinco interessados para viabilizar o intensivo de férias.
“Mãe, pode vir me buscar? Não vai ter”.
O fato é que, depois de eu ligar para o Benett e fazer um discurso sobre o corpo do ator, exigindo dele que levasse roupas confortáveis para a oficina e advertindo sobre a necessidade de preparo físico e noção de espaço para a arte do palco, nós nos perdemos na volta, paramos numa pizzaria e enchemos a pança com rodelas de cebola.

Victor Folquening, agosto de 2008

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