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Ay hijo, sabes, sabes
de dónde vienes?
...
Así llegaste al mundo.
...
Como una gran tormenta
sacudimos nosotros
el árbol de la vida
hasta las más ocultas
fibras de las raíces
y apareces ahora
cantando en el follaje,
en la más alta rama
que contigo alcanzamos.
Ai, filho, sabes, sabes
de onde vens?
...
Assim chegaste ao mundo.
...
Como uma grande tempestade
nós sacudimos
a árvore da vida
até as mais ocultas
fibras das raízes
e apareces agora
cantando na folhagem,
no mais alto ramo
que contigo alcançamos.
(Pablo Neruda, El hijo)
Agora já completam-se duas semanas da chegada da nossa pequena Branca a este mundo. Eu olho para o seu rostinho, seus traços delicados e únicos que começam a aparecer... olho para os seus olhinhos pequenos, que ela aprende a manter abertos, curiosos e surpresos. De onde você veio, minha filha? Não estava em parte alguma, não existia, ninguém sabia o seu nome. E agora está aqui, aconchegada, como se tivesse caído do ramo mais alto da árvore da vida! Gerar uma vida não é fácil, é verdade... Custa tempo, entrega, sacrifícios. Muitas vezes, precisamos abrir mão de sonhos, planos, desejos. Mas escolher os filhos é uma das maiores provas de amor e generosidade que podemos oferecer. Os filhos são consequência da entrega do corpo e da alma no ato conjugal, eles são frutos do amor mais profundo. Gerar uma alma faz parte da nossa missão como seres humanos, é um chamado à entrega mais valiosa que existe: a maternidade. Mesmo em meio às dores do parto e aos sacrifícios, às vezes doídos, do puerpério, não é impossível – eu lhes garanto, e este é o meu testemunho –, não é impossível, e muito menos de pouco valor, conseguir enxergar a beleza da maternidade em cada um desses detalhes, nesse mesmo esforço por “sobreviver” ao período de maior dificuldade.
Nosso mundo está ficando cada vez mais acostumado a uma pseudobeleza: a uma beleza de padrões estreitos, artificiais; a “beleza” das modelos de boca semicerrada nas propagandas de óculos de sol – em breve, as modelos geradas por inteligência artificial, que é praticamente o que desde sempre se quis fazer daquelas mulheres. É preciso, mais do que nunca, lembrar que há uma beleza que não se vê nos espelhos nem se fotografa com filtros. É a beleza que nasce de dentro, que brota da generosidade da alma e da entrega silenciosa, e que apenas transborda para o exterior, nem sempre como se espera, mas com uma luz renovada, que confunde os olhos e enche a alma. As mulheres devemos estar convictas de que a maternidade, longe de apagar o nosso encanto, o intensifica – e que o olhar do marido, se for íntegro e amadurecido pelo amor, saberá contemplar essa forma nova e gloriosa de formosura.
O filho não é para nós. Ele não é apêndice de nossos projetos, nem coroamento de nossas conquistas, nem tampouco enfeite relacional. Ele é pessoa, mistério, novidade
Jean Guitton, o filósofo francês, gostava de observar, com certa mordacidade: “Não há ideia mais estúpida do que pôr a beleza no singular”, como se ela fosse uma só e só coubesse nos moldes da juventude efervescente. Mais estúpido ainda seria, dizia ele, imaginar que a única forma de beleza está em conservar o rosto jovem. O tempo, ao contrário, ensina aos homens mais sensíveis que a verdadeira beleza de uma mulher emana da sua interioridade: da indulgência, do amor verdadeiro, da serenidade conquistada, da memória das lutas e da paz que sobrevém depois delas. A maternidade pode alterar proporções, desfazer medidas, desafiar padrões superficiais – mas faz resplandecer no corpo a nobreza do espírito.
E o marido que ama de verdade, mesmo que não seja particularmente sensível, é capaz de reconhecer, com fascínio, que as marcas da maternidade no corpo da esposa são marcas também de sua própria história de amor. Ele percebe que ali, naquele corpo que o atrai, está a passagem do dom que os une: o selo de filhos gerados por amor, a assinatura do Deus criador que confiou àquela mulher a missão de acolher e nutrir a vida. Que homem, ao ver isso com os olhos do coração, não se sentiria profundamente cativado?
Toda mulher plenamente entregue – esposa, mãe – deve conservar a convicção firme de que sua beleza humana se aperfeiçoa na medida em que se dá ao marido e aos filhos. O amor é, em última instância, a fonte da beleza. E quanto mais se ama, mais bela se torna a alma – e o corpo, por reflexo.
Certa vez, num pequeno jardim de Roma, São Josemaria Escrivá virou-se para um grupo de jovens, seus filhos espirituais, e perguntou assim: “Sabeis por que vos amo tanto?” E, diante de seus rostos perplexos, que esperavam já uma tirada do santo espirituoso, ele mesmo respondeu: “Porque vejo borbulhar em vossas veias o Sangue de Jesus Cristo”. Como assim? Como podia ele ver algo assim tão excelso naqueles jovens, talvez imaturos, desajeitados? Via neles portadores da vida divina, sacrários vivos da confiança de Deus.
Tal visão é de especial importância para a família de hoje, tantas vezes tentada a olhar os filhos como apêndices de seu ego. A cultura contemporânea tende a avaliar as crianças em função dos pais, não como um dom que os ultrapassa. Os filhos, hoje, são muitas vezes pensados como escolha pessoal, extensão do projeto afetivo, conquista terapêutica – ou, inversamente, ameaça à liberdade, ao prazer, ao conforto. Em ambos os casos, a verdade mais simples é esquecida: que os filhos são a linguagem natural do amor conjugal.
Quando a maternidade é reduzida a sacrifício estético ou a peso emocional, perde-se completamente a compreensão de sua grandeza, e aí nada, nada, nada pode nos ajudar a superar as pequenas dificuldades do puerpério, por exemplo, pois não se enxerga mais aquele sentido superior que o atravessa como uma flecha e o leva para o alto. A beleza de uma mãe não está em se parecer com quem nunca o foi, mas em carregar no corpo e no coração os traços da vida que passou por ela – traços de dor, mas sobretudo de amor. E é esse amor que, quando verdadeiro, resplandece aos olhos do esposo. Ele a vê como ela mesma, como ela verdadeiramente é: transfigurada pelo dom que fez, mais mulher, mais humana, mais bela.
Em tempos em que os filhos são planejados como metas e tolerados como encargos, é urgente recuperar uma verdade simples: o filho não é para nós. Ele não é apêndice de nossos projetos, nem coroamento de nossas conquistas, nem tampouco enfeite relacional. Ele é pessoa, mistério, novidade – e comparece no mundo com a ousadia de quem só reivindica direitos. Isso é um desafio a toda mentalidade contemporânea que relativiza a dignidade da infância e domestica o amor sob os critérios do conforto. O amor é, por natureza, fecundo. O fruto de um amor verdadeiro – seja no casamento, na amizade ou na vida interior – é sempre uma superabundância. No caso do matrimônio, a fecundidade não é uma função acessória, um resultado desejado ou tolerado: ela é a consequência natural da totalidade do amor conjugal. Por isso, o filho não é o fim do casamento – como se este fosse um meio, uma “estratégia” para se obter qualquer outra coisa, ainda que boa –, mas também não é um acaso. O filho é o sinal visível de que o amor transbordou. E o verdadeiro amor não sabe conter-se; deseja durar, perpetuar-se, expressar-se em formas novas. O filho é uma dessas formas – a mais concreta de todas. O matrimônio não é uma empresa de sucessos, mas uma comunhão de destinos. Ao dizer sim um ao outro, os esposos acolhem o futuro como ele vier – com alegrias e feridas, com abundância ou ausência de filhos – e dispõem-se a enfrentá-lo lado a lado, sem condições, sem garantias.
E deste ponto saltamos para a principal maravilha que gostaria de frisar, neste texto breve, que reviso ninando, em meus braços, o coração do meu coração... Em nenhuma outra obra o ser humano é mais criador do que nesta, de gerar seus filhos a partir do amor. Como diz o poeta, assim nós sacudimos a própria árvore da vida, nós a fazemos tremer até a profundeza de suas raízes, no Ser mesmo, para que brote algo novo e fresco na realidade, e para sempre. Gerar filhos é colaborar, intimamente, com o dom da vida, o ato mais nobre do Criador. Há nisso uma glória silenciosa, uma grandeza que se desdobra em gestos cotidianos e transformações profundas. E, curiosamente, é exatamente no ponto em que a natureza humana parece mais frágil – no corpo vulnerável, na dependência absoluta de um recém-nascido – que Deus nos concede participar da sua onipotência amorosa.
É necessário recordar aos esposos: não tenham medo dos filhos. Deus não apenas os abençoa: Ele se faz presente neles
Torna-se ainda mais fascinante lembrar que os anjos, ainda que seres espirituais superiores, desse privilégio não compartilham. Deus quis confiar aos homens e mulheres, frágeis e mortais, a alegria de povoar o Céu com os bem-aventurados. Como recorda São Tomás de Aquino, somos nós, com nossas escolhas, nossas renúncias e nossas fidelidades, que “completamos o número dos eleitos” que irão desfrutar de Deus por toda a eternidade. Deus quis servir-se do amor conjugal para gerar novas almas e aumentar o corpo da Igreja. A vocação ao matrimônio é, portanto, vocação ao amor divino vivido por meio do amor humano: uma aliança que toca o Céu e a Terra, que abraça o tempo e a eternidade. Por isso o Apóstolo não hesita em chamar o matrimônio cristão de “sacramentum magnum”, grande sacramento. E por isso que o amor humano é nobre, santo, bom. Ele é alegria do coração; é, para os esposos, uma via comum de plenitude.
A nossa cultura precisa reaprender a confiar no amor. O medo dos filhos – medo de seus custos, de suas exigências, de sua presença transformadora – denuncia uma falta de fé na força do dom. Ao contrário, o verdadeiro amor não teme. Ele sabe que onde há entrega há também um transbordar de sentido. E o filho, com toda sua fragilidade, é esse transbordamento. Ele é a epifania do amor que foi forte o bastante para abrir-se à vida.
Na verdade, creio que nenhum gesto humano aproxime tanto o Céu da Terra quanto o ato de dar a vida. Entre todos os empreendimentos possíveis nesta breve existência, nenhum é tão profundamente tocado pela eternidade quanto a geração de uma nova pessoa. É que, ao gerar um filho, o casal humano não cria apenas um corpo: com ele, e por meio dele, Deus cria uma alma – uma alma única, imortal, irrepetível. É nesse ponto que o mistério do amor conjugal atinge seu cume.
Não se trata de uma justaposição entre o que fazem os pais e o que faz Deus, como se ambos atuassem em paralelo, cada um contribuindo com uma parte. Tampouco é uma cooperação no estilo das parcerias humanas. É uma fusão real, profunda e radical: Deus age no íntimo da ação humana, conferindo-lhe não apenas eficácia, mas sentido. O que os pais iniciam com sua decisão livre – esse entrelaçamento de corpos e afetos – torna-se o cenário de um ato criador divino. O resultado não é um produto, nem um artefato, nem sequer um prolongamento do amor conjugal: é uma pessoa, alguém que, como Deus, pode dizer “eu”.
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É difícil conter o assombro diante disso. Pois se todo amor autêntico tende ao dom de si, aqui temos o dom de si que gera um outro – um terceiro – chamado à eternidade, numa imagem lindíssima do amor do Pai pelo Filho, e do Filho pelo Pai, que, na Trindade Eterna, gera o Espírito Santo. Um casal que acolhe um filho acolhe, no fundo, a presença ativa do próprio Deus. A fecundidade não é apenas um dom: é uma visita de Deus. Ele entra no mundo mais uma vez, e dessa vez não por milagre extraordinário, mas por um gesto humano comum – comum, e ao mesmo tempo sublime.
Por isso, não há que temer os filhos. Não apenas porque Deus os sustenta com sua providência – o que por si só já bastaria –, mas porque neles o próprio Criador age, criando, sustentando, glorificando. A cada nascimento, é como se se acendesse uma nova chama na tapeçaria da eternidade, e os pais são convidados a segurar a tocha por um instante, enquanto ela se inflama.
É neste sentido que o mesmo São Josemaria Escrivá chegou a afirmar que o leito conjugal se assemelha a um altar: um altar, não por analogia poética, mas por afinidade teológica: ali se renova um sacramento, e ali se dá uma participação concreta no ato criador de Deus. Ali se manifesta uma forma de presença divina que é, a seu modo, “especialmente divina”, por ser formalmente criadora de pessoas. É verdade que toda ação humana depende da graça. Mas aqui a dependência assume um caráter radical: Deus só age se o casal se entrega, se decide, se ama. A liberdade dos esposos torna-se condição da intervenção divina. É um paradoxo supremo: o Infinito espera o sim de dois finitos para fazer nascer um novo sempiterno. A consideração detida dessa verdade transforma o modo como vemos o casamento, o corpo, a sexualidade e a própria história da humanidade. Cada filho é fruto de um ato onde o amor humano toca o Amor Absoluto. Os cônjuges, ao cooperar na geração de uma nova vida, tornam-se não apenas instrumentos, mas cúmplices de Deus – coautores, por assim dizer, de um novo início.
Como não esperar, então, que esse gesto intensifique o amor entre marido e mulher? Se eles já se amavam antes, esse amor agora foi assumido por Deus. Se antes havia entre eles uma união de corpos e de corações, agora há um terceiro elemento: uma alma que os entrelaça, um rosto que será espelho da comunhão deles, um ser que os transcende, mas que brotou do amor mútuo. É por isso que a fecundidade não é um acidente do amor, nem um peso a ser tolerado, mas sua culminação. E como eu queria lembrar isso aos casais perdidos, às mães que sofrem agora sem dormir, e que sentem dor, nas dificuldades com seu bebê, com seus pequenos... Queria que pudessem, entre os sofrimentos, se demorar uns instantes olhando para o rosto pequenino dessa pessoa humana que há pouco não existia, e que nunca mais vai deixar de existir. Eis por que, em tempos de medo, controle e cálculo, é necessário recordar aos esposos: não tenham medo dos filhos. Deus não apenas os abençoa: Ele se faz presente neles. Coragem, Deus está aí consigo – dentro de você, ao seu lado, no seu colo. Um filho não é apenas um dom: é um convite a participar do milagre.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos




