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Na última ocasião, falei sobre a coragem, sobre a fortaleza. Perguntando, à queima-roupa, se você, e qualquer leitor, era uma pessoa corajosa. Ao fim, falei sobre a maneira de transmitir, aos nossos filhos, esse senso aguçado da justiça, o amor pela verdade, o respeito pela consciência, enfim, a perseguirem a verdadeira prudência e a coragem de agir em conformidade com tudo isso. Mas falei en passant, à guisa de conclusão, sem me deter no ponto. E mais tarde fiquei refletindo sobre como responderiam as crianças àquele mesmo questionamento à queima-roupa. Eu imagino os meus meninos, mas cada um pode imaginar-se perguntando de repente a seus filhos (ou sobrinhos, ou afilhados): “Você é corajoso?” Quantos meninos não fechariam os punhos e apertariam os bíceps no alto, com uma cara fechada! Isso é fofo... Querem se parecer com o Hulk, com algum outro herói. Que bom se quiserem se parecer com o pai, e virem nele a imagem da virtude. E muitas meninas, com certeza, também responderiam com firmeza.
Mas a verdade é que, nas crianças, essa resposta vai em geral dar um indício apenas de seu temperamento, ou das tendências mais superficiais do clima de sua casa ou escola. Não denota virtude ou falta dela, porque, a rigor — como já expliquei melhor em outros artigos —, as crianças não têm virtude. Isso não é uma crítica nem um xingamento, é apenas uma constatação técnica: a virtude é algo da maturidade, é um bom hábito já enxertado em nossa natureza por meio do esforço (e possivelmente com a ajuda da graça). O que as crianças têm, ou não têm, são disposições mais ou menos fortes para cada uma das virtudes, conforme o seu temperamento e compleição física, e bons ou maus hábitos, que são cultivados pela educação — o que pode se dar com o apoio da escola, mas que não se consolida em nenhum outro lugar senão no seio da família.
A família é o espaço natural onde se entrelaça o mais íntimo de cada pessoa. Diferente das demais instituições sociais, onde o indivíduo é acolhido e medido por sua funcionalidade, a família é o lugar onde alguém pode ser aceito pelo que é, e não apenas pelo que faz ou deixa de fazer. Um jogador de futebol é valorizado enquanto marca gols; um estudante, enquanto cumpre suas obrigações escolares. Mas, no lar, cada membro é amado em sua singularidade, com seus dons e limitações. A escola transmite cultura, amplia horizontes, oferece instrumentos, e de modo algum pode contradizer a educação dos pais, isto é certo. Deve apoiá-la e reafirmá-la. Mas a formação essencial — o cultivo dos bons hábitos, que florescerão em virtudes — é própria do lar. E por isso os pais e mães, convivendo com seus filhos nesse “espaço vital” que é a família, têm a responsabilidade primeira e intransferível.
Isso não significa, porém, que educar para as virtudes seja questão de técnicas elaboradas ou planejamentos rígidos. Mais importante que registrar metas ou desenhar atividades é cultivar a intenção firme de alcançá-las. Um objetivo sem vontade de realizá-lo não passa de uma ilusão, e será facilmente dispensável. E o cotidiano da vida familiar oferece oportunidades abundantes: cada acontecimento pode tornar-se uma ocasião educativa, desde que os pais estejam atentos à intensidade e à retidão das motivações que levam seus filhos a agir.
A virtude não está apenas na intensidade de ação, como pensa o menino que imita o Hulk para parecer corajoso; é também pureza de intenção. Dois rapazes podem emprestar dinheiro a um colega em dificuldade: um, por solidariedade verdadeira; outro, por medo de apanhar. O gesto exterior é idêntico, mas a diferença das motivações transforma a qualidade do ato, assim como em muitas atitudes dos nossos filhos. Curiosamente, nem sempre aquele que obedece ou que parece estar fazendo um gesto de generosidade o está fazendo de fato. E vai caber aos pais discernir e orientar essas intenções, conforme a idade e a maturidade de cada criança.
E aí está, de volta ao nosso ponto de partida, que entre as virtudes mais importantes está a fortaleza, a coragem. Tradicionalmente descrita como a virtude dos apaixonados, dos convictos, dos cavaleiros que arriscam a vida por um ideal maior, como o São Jorge contra o dragão, que mencionamos outrora, a fortaleza parece, à primeira vista, coisa rara no mundo contemporâneo. Não vemos, em nosso ambiente de trabalho, grandes gestas ou martírios de sangue. Mas isso não significa que a fortaleza não tenha lugar. Ao contrário: sua prova cotidiana está em transformar os pequenos gestos de cada dia em demonstrações de amor e grandeza — e por esse meio que a ensinaremos aos nossos filhos, preparando-os para o mundo adulto. Arrumar o quarto, persistir no estudo, ajudar em casa, resistir à tentação de desistir diante da dificuldade — tudo isso, feito com amor, pode ser ato de fortaleza. Cada esforço simples, somado, compõe uma vida grandiosa.
Por isso, é vital mostrar aos jovens que sua vida tem sentido, mesmo quando marcada por defeitos ou fragilidades. A fortaleza não floresce em corações egoístas ou acomodados, mas naqueles que sabem que nasceram para amar, servir e superar-se. O adolescente, em particular, traz no coração ideais elevados: deseja mudar o mundo, deixar sua marca, realizar algo grande. Se não encontra vias para canalizar essa energia, corre o risco de destruí-la em rebeldias ou desvios. A missão dos pais é propor fins elevados, ensinar critérios verdadeiros e orientar esse desejo de grandeza. Caso contrário, formam-se jovens disciplinados, mas sem direção — capazes de enorme esforço, porém a serviço do mal.
Educar para as virtudes é, portanto, tarefa que se cumpre com fidelidade no pequeno, constância nas exigências, clareza nas motivações. A fortaleza — como todas as virtudes — nasce em casa, cresce no cotidiano e floresce quando se descobre que a vida tem um propósito que vale a pena.
A tradição divide a virtude da fortaleza em dois movimentos: resistir e acometer. À primeira vista, acometer — isto é, lançar-se contra um obstáculo — parece mais exigente, e é o símbolo mais corriqueiro de um gesto de coragem; mas, em verdade, resistir costuma ser a parte mais árdua. Resistir significa manter-se firme diante de um inimigo, de um incômodo ou de uma tentação que nos ataca com força. Tem em seu arcabouço a constância, a paciência e o domínio de si — qualidades nem sempre visíveis, mas decisivas.
No cotidiano, há incômodos que suportamos porque sabemos que deles virá um bem, como aguentar a broca do dentista para livrar-se de uma dor maior. Quando o resultado positivo é claro, a resistência se torna mais fácil. Por isso, a educação da fortaleza nas crianças pequenas pode começar justamente aí: mostrar que certos incômodos, aceitos com serenidade, trazem benefícios futuros.
A dificuldade é que as crianças vivem no presente. Para um menino de seis anos, não basta saber que a injeção fará bem: a dor imediata fala mais alto. Nesses casos, o raciocínio de causa e efeito precisa ser reforçado por motivações adicionais, adaptadas à idade e à situação. Uma mãe pode, por exemplo, proibir um brinquedo barulhento para não acordar o irmão bebê, ou sugerir uma alternativa mais silenciosa. No primeiro caso, a criança exerce maior esforço: precisa renunciar a algo desejado. E, se compreende que o faz por amor ao irmão ou por obediência à mãe, começa a relacionar a resistência ao incômodo com a capacidade de amar.
Esse aprendizado se repete em muitas situações: fazer os deveres antes de brincar, renunciar a uma saída para ajudar em casa, terminar uma tarefa em vez de deixá-la pela metade. Aos poucos, a criança aprende a resistir ao impulso imediato em vista de um bem maior. A fortaleza se fortalece pela soma desses pequenos atos de renúncia e perseverança.
Há, porém, um segundo campo: resistir, não para alcançar um bem evidente, mas para evitar um mal. Trata-se de manter-se firme diante de influências prejudiciais. O jovem que recusa folhear uma revista pornográfica ou que se afasta de uma briga iminente não ganha nada de imediato, mas preserva a própria integridade. Essa resistência, menos visível, é igualmente necessária. É o exercício de dizer “não” — não por medo, mas por prudência.
Aqui surge a importância de distinguir a verdadeira fortaleza da temeridade. Quem despreza riscos e avança sem medir consequências não é corajoso, mas imprudente. A fortaleza autêntica é sempre guiada pela prudência: enfrenta perigos quando necessário, mas não busca aventuras insensatas. É por isso que a educação da resistência se complementa com a chamada exigência preventiva: o cuidado dos pais em proteger os filhos de riscos desnecessários, como proibir que atravessem sozinhos uma rua movimentada.
O medo, por sua vez, também exige educação. Pensemos no medo do escuro. Não basta eliminá-lo com luzes sempre acesas; tampouco convém forçar a criança a enfrentar sozinha situações aterrorizantes. O caminho é gradual: apagar a luz do quarto deixando o corredor iluminado, depois permitir que apenas as vozes dos pais sejam ouvidas ao longe. Assim, a criança aprende a resistir com apoio, e descobre que pode ser mais forte do que seus receios.
Esse mesmo princípio vale para tantas outras situações em que o desconhecido gera medo. O papel dos pais é transmitir segurança, explicar o que vai acontecer, acompanhar quando necessário. Não se trata de eliminar todos os temores, mas de ensinar a enfrentá-los com confiança e sem temeridade.
A fortaleza também se educa a posteriori, depois da dor. Uma criança que chega chorando porque se machucou ou foi injustiçada pode ser ensinada não apenas a queixar-se ou esperar as represálias dos adultos, mas a transformar o sofrimento em ocasião de crescimento. Um pai pode ensinar que o sofrimento pode ser oferecido pelos outros (até mesmo pelo bem do agressor), e que até mesmo a dor pode ser elevada em ato de amor. Ao contrário, um ambiente de constantes queixas e vitimizações enfraquece a fortaleza, cultivando a passividade.
Mas à fortaleza se opõem apenas o medo excessivo e a temeridade, e sim três vícios: o terceiro é a indiferença. Esta última é talvez a mais sutil: trata-se da apatia de quem não reconhece a obrigação de melhorar ou ignora as influências nocivas à sua volta. O indiferente não teme nada, mas não porque seja forte — e sim porque se fechou ao dever de crescer. Sua passividade é a negação da virtude. A indiferença é sempre um perigo silencioso. Quando os pais substituem os filhos em cada esforço, quando os protegem de todo incômodo, correm o risco de criar jovens incapazes de enfrentar sozinhos o desconhecido. Habituados a receber sem lutar, tornam-se frágeis: não sabem como reagir quando a vida exige deles prudência, esforço ou coragem. Uma existência cômoda, sem sobriedade, degenera em egoísmo. E o egoísta, privado do treino do sacrifício, desanima diante da primeira frustração ou se refugia em evasões baratas.
Por isso, guardadas as proporções e com muita parcimônia, podemos treinar a resistência dos nossos filhos desde o início: desde o pequenino que chora por capricho ao adolescente que se aborrece porque alguém o contrariou. Só assim formam-se homens e mulheres de fibra — capazes de suportar a dor sem vitimismo, de enfrentar o sacrifício sem lamentos, de não recuar diante das dificuldades. A fortaleza é, em última instância, essa “rijeza” de ânimo que repele tanto a frivolidade quanto o escândalo diante das contrariedades.
Mas resistir é apenas metade da tarefa. Não esqueçamos que a fortaleza também se manifesta no acometer, isto é, em lançar-se a empreendimentos árduos. Para isso, é preciso não apenas força física, mas sobretudo força moral. É nesse ponto que o esporte revela sua função educativa: ao ensinar a dominar o cansaço, a suportar a fadiga, a perseverar por um objetivo. Vencer uma corrida, chegar ao cume de uma montanha, melhorar um tempo recorde, não decepcionar os companheiros de equipe — todas essas experiências treinam a alma para lutas mais altas, inclusive as espirituais, e não é à toa que São Paulo, em suas cartas no Novo Testamento, utiliza-se várias vezes de metáforas atléticas para tratar das conquistas espirituais.
Acometer corresponde, pois, a tomar iniciativas. É tomar uma decisão e levá-la até o fim, mesmo quando ela custa. Os pais têm papel decisivo em despertar nos filhos esse espírito de iniciativa, e podem fazê-lo, por exemplo, evitando resolver os problemas que os filhos mesmos poderiam enfrentar, e não fazendo por eles o que eles já podem com certeza fazer sozinhos. Esse aprendizado é especialmente urgente na adolescência, como já mencionei há pouco. O coração do jovem lateja de generosidade e de desejo de justiça, e a vida parece feita para conquistar mundos — ao menos o seu próprio mundo. Mas o jovem que começa a tomar decisões próprias sem hábitos de fortaleza corre risco duplo: ou cai na indiferença, rejeitando as orientações paternas sem substituí-las por convicções próprias; ou deseja melhorar, mas não encontra em si forças para perseverar.
Os pais que desejem de algum modo avaliar como vêm cuidando desse aspecto podem lançar mão de um exercício. Não se trata de planilhas estúpidas, mas de um roteiro de consciência. Perguntar-se, por exemplo: Costumo buscar o lado positivo de cada circunstância? Sou capaz de resistir à rotina, à preguiça, à imitação cega dos outros? Procuro centrar-me no bem, mesmo quando exige esforço e sofrimento? Realizo as pequenas coisas com amor e atenção? Resisto aos caprichos e às tentações da sociedade de consumo, dos eletrônicos e das redes? E mais adiante: Sei suportar incômodos físicos sem reclamar? Tomo iniciativas em favor dos meus filhos, dos outros em geral? Fujo da tentação de acostumar-me ao mal pelo simples fato de ele se repetir? Substituo a queixa estéril por ações positivas? Tenho coragem de ultrapassar meus medos, a indiferença e a busca excessiva de segurança para realizar algo de real valor?
E então, tendo tirado a trave do próprio olho, podemos repetir as mesmas perguntas, agora estendendo-as ao campo da educação: Dialogo com meus filhos, ajudando-os a descobrir por si mesmos o sentido do bem? Proporciono situações em que possam se entusiasmar com ideais elevados? Permito que enfrentem suas dificuldades sem substituí-los sempre, para que aprendam a responsabilidade? Animo-os a resistir a pequenos incômodos — o calor, o cansaço, a sede? Conduzo-os gradualmente a enfrentar os medos próprios da idade — o escuro, a solidão, a pressão dos colegas? E mais: Ofereço-lhes atividades que exigem esforço físico e disciplina? Sou constante em exigir que cumpram regras, para que adquiram hábitos sólidos de vontade? Estimulo neles a iniciativa e a perseverança nos projetos que assumem? Ajudo-os a assumir posição em questões importantes, sem medo da opinião alheia?
Essas interrogações não são meros exercícios de retórica. São bússolas que nos ajudam a identificar o que precisa ser fortalecido em nós mesmos e nos jovens que educamos. A fortaleza, afinal, não nasce de teorias nem de discursos, mas do exercício concreto, paciente e cotidiano. Se bem cultivada, essa virtude transforma o pequeno Hulk, de muque tenso, em um homem de verdade. Transforma o ardor adolescente em energia construtiva. Sem ela, o idealismo se desfaz em rebeldia estéril; com ela, ao contrário, a juventude pode atravessar o tempo das tentações e descobertas sem perder de vista a grandeza da vida. E, quando assim acontece, cada jovem aprende a lição fundamental: viver é empreender com coragem, resistir com paciência e transformar cada pequena fidelidade numa heroica e silenciosa vitória.




