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São as instituições, estúpido!
| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Encerrado o primeiro ano do governo Lula III, cabe fazer uma avaliação crítica. Faço a ressalva necessária de que sou um parlamentar da oposição, então a tendência não é a de um olhar generoso.

Na imprensa e nas análises políticas, há muitas avaliações condescendentes com o governo Lula, em parte por torcida, outra parte porque, de fato, o pior, pelo menos na economia, não veio ou melhor, ainda não veio. Até há alguns dados positivos, como um crescimento razoável, próximo a 3%, e uma inflação relativamente controlada, de cerca de 4,5%.

Entretanto, em uma análise menos superficial, é inevitável concluir que assistimos a uma profunda deterioração institucional e que ela terá as suas consequências na esfera econômica.

Há uma correlação entre crescimento econômico e qualidade das instituições, como já demonstrado em livros como “Why Nations Fail?”, de James Robinson e Daron Acemoglu. Segurança jurídica, respeito aos direitos individuais, inclusive de propriedade, previsibilidade, “rule of law” ou o império da lei, são instituições que, no longo prazo, fazem a diferença entre as nações que prosperam e as que fracassam na competição do mundo global. Clima, recursos naturais, extensão geográfica, ou seja, elementos da natureza têm relevância, mas não são os fatores chave da prosperidade. Eles residem na construção de instituições fortes. Parafraseando o mote de campanha de Bill Clinton em sua disputa com George Bush nas eleições de 1992, “são as instituições, estúpido”.

Neste ponto, o Governo Lula fracassou fragorosamente, aprofundando as práticas patrimonialistas que determinam o atraso brasileiro.

Ampliou, logo no início da Administração, o número de ministérios de 23 para 37 e, durante o ano, criou mais um para acomodações políticas, chegando ao expressivo total de 38 ministérios. Ninguém consegue encontrar uma justificativa que não passe pelo loteamento político-partidário e pelo fisiologismo para tão grande quantidade de ministérios.

É inevitável concluir que assistimos a uma profunda deterioração institucional e que ela terá as suas consequências na esfera econômica

Ainda em seu início, o governo Lula, utilizando partidos satélites ao PT, promoveu um ataque contra a lei das estatais, obtendo junto ao Supremo Tribunal Federal uma liminar suspendendo as regras que fixam restrições para nomeações político-partidárias para cargos da alta administração. Vale lembrar que a utilização das estatais brasileiras para práticas fisiológicas é que deu origem aos grandes escândalos de corrupção revelados pela Lava Jato. Não satisfeito em lotear as estatais, o governo Lula ainda passou a indicar agentes políticos para cargos nos conselhos de administração de empresas privadas nas quais tem participação acionária. A voracidade fisiológica do Governo Lula estendeu-se ao setor privado, algo que não havia ocorrido nos mandatos anteriores.

A irresponsabilidade fiscal foi a marca do governo Lula III. O déficit fiscal primário em 2023 está estimado em 1,7% do PIB após revisões para cima durante o ano. É possível que seja superior, atingindo cerca de 2% do PIB. Para o ano de 2024, o ministro da Fazendo Fernando Haddad ficou falando sozinho da meta de déficit zero. O mais provável é que fique em patamares semelhantes ou maiores. Lula, por sua vez, não se cansa de desautorizar o ministro publicamente no que se refere ao déficit zero. O arcabouço fiscal, que já era um controle fiscal frouxo, foi abandonado pelo Governo logo após a aprovação. Em 2024, os interesses eleitorais do Governo e do PT estarão acima da responsabilidade fiscal.

Como resultado da falta de cautela fiscal, veremos a dívida pública subir nos próximos anos, assim como os seus encargos. A OCDE estima que a dívida pública brasileira atingirá 80% do PIB em 2024 e 90% em 2047. O futuro do Brasil está sendo hipotecado pelo Governo Lula.

O Governo Lula tentou diminuir o déficit mediante aumento de tributos. Algumas de suas iniciativas foram rechaçadas pelo Congresso, mas outras foram aprovadas, como a tributação dos rendimentos das off-shores e fundos exclusivos, além da imposição de tributos sobre a concessão de incentivos estaduais. Tais medidas retiram recursos dos contribuintes, inclusive dos setores produtivos, e terão impacto negativo na produtividade da economia.

Nesse contexto, foi aprovada a reforma dos tributos indiretos. Aqui, há uma razoável dúvida se essa reforma tão esperada terá mesmo o efeito de simplificar o sistema tributário. O texto final parece distante da intenção inicial de simplificar e de diminuir a guerra fiscal. A recusa do Governo em estabelecer uma alíquota máxima para o IBS e o CBS constitui um indicativo de um desejo de elevação da carga tributária, com novas perdas de produtividade da economia.

Assistimos a volta, por decisão do STF estimulada pelo governo, da contribuição sindical obrigatória, onerando os salários dos trabalhadores. Não será fácil a tarefa deles de exercer o seu direito de recusar a contribuir, com todas as artimanhas e armadilhas que estão sendo preparadas pelos sindicatos para dificultar essa opção.

Na linha da deterioração institucional, assistimos Lula nomear seu advogado pessoal para uma vaga no Supremo Tribunal Federal, algo que não favorece a atuação independente daquela Corte. Nos Estados Unidos, os presidentes que ensaiaram indicar seus advogados pessoais tiveram que recuar diante da opinião pública negativa.

Ainda internamente, vimos o desmantelamento do combate à corrupção, ilustrado pela extinção da Secretaria de Combate à Corrupção junto à CGU. Mais do que isso, não se identifica a investigação da grande corrupção como uma das prioridades da Polícia Federal durante o Governo Lula. Não se teve notícia no ano de investigações concluídas ou prisões realizadas sobre este tema. Voltou-se, aliás, a se falar em grandes negociatas envolvendo grandes grupos econômicos com passado nebuloso.

Na Segurança Pública, o Governo Lula parece perdido, sem que se possa identificar políticas públicas no setor. Não foi enviado um projeto de lei sequer durante o ano ao Congresso e o Ministério da Justiça e Segurança Pública ficou mais conhecido por ter recebido em suas instalações a esposa de liderança do tráfico de drogas do que por qualquer outra medida.

No cenário internacional, a imagem do Brasil foi negativamente afetada pela diplomacia presidencial que nos reaproximou das ditaduras latino-americanas da Venezuela e de Cuba e nos alinhou ao clube das autocracias, com distanciamento das democracias ocidentais. As declarações presidenciais sobre as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, simpatizando com Putin e com o Hamas, bem ilustram o buraco no qual a diplomacia brasileira se enfiou. Como se não bastasse, a diplomacia comercial enterrou de vez o tratado Mercosul/União Européia, deixando ainda mais distantes as perspectivas de abertura da economia brasileira e de integração nas cadeias globais de produção.

Crescimento do crime, desmantelamento das medidas de prevenção à corrupção, deterioração fiscal, incremento de tributos, aumento da burocracia, patrimonialismo e fisiologismo turbinados, além do alinhamento internacional do Brasil com as autocracias, constituem as marcas deste primeiro ano do Governo Lula. Por isso, não se engane com alguns sinais não tão negativos neste primeiro ano. A deterioração institucional, infelizmente, cobrará, a seu tempo, o seu preço.

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