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Friedrich Merz, líder do CDU e o provável próximo primeiro-ministro da Alemanha, declarou, logo após a divulgação dos resultados das eleições legislativas naquele país, que a Europa teria de repensar sua estratégia de segurança e acelerar a criação de uma capacidade de defesa independente dos Estados Unidos.
As declarações são um reflexo da política do novo governo norte-americano, liderado por Donald Trump, que representa uma mudança significativa em relação ao quadro que perdurou após o fim da Segunda Guerra Mundial.
Desde aquela época, a aliança atlântica de segurança, formalizada através da Otan, entrelaçou os interesses dos Estados Unidos com a Europa Ocidental para frear o expansionismo da União Soviética e, depois, de sua sucessora, a Rússia. Já no primeiro mandato de Trump, a aliança esteve em tensão por causa das críticas corretas ao fato de que os Estados Unidos arcavam com a maior parte das despesas de defesa, enquanto os europeus, apesar de serem os principais beneficiários, não contribuíam em proporções justas. As tensões alcançaram patamares ainda maiores neste novo mandato, com a aproximação da nova administração norte-americana com o governo russo em torno da guerra na Ucrânia.
Não há muita clareza sobre quais são os objetivos da nova política internacional norte-americana
A Ucrânia luta contra uma guerra de agressão. É o país invadido pela Rússia. A agressão viola todos os princípios de Direito Internacional. Especula-se que as tentativas de adesão à Otan pela Ucrânia teriam motivado a guerra, como alegam os russos, mas, ainda que assim fosse, não há como justificar os ataques ou o sofrimento imposto ao povo ucraniano. O líder russo, Vladimir Putin, já declarou que não considera a Ucrânia um país independente, o que leva a crer que a Ucrânia, no caso de rendição, seria simplesmente incorporada ou submetida a um governo fantoche ditatorial. Para os ucranianos, é uma guerra de independência e de sobrevivência.
Os demais países europeus temem que as ambições territoriais de Putin não se limitem à Ucrânia e que, se este país cair, outras guerras ocorrerão, sejam por meios convencionais ou híbridos. Daí a insistência e veemência dos países europeus na defesa da Ucrânia.
Há um ponto que deve ser reconhecido: os países europeus são os mais imediatamente interessados na vitória da Ucrânia e, portanto, poderiam e deveriam fazer mais. Já são três anos de guerra na Ucrânia e aquele país tem sangrado sozinho contra a Rússia. O apoio material recebido dos demais países não é aparentemente suficiente para ganhar a guerra.
Para os Estados Unidos, o risco é diferente, já que estão a milhares de quilômetros de distância do palco de guerra. No entanto, abandonar a Ucrânia significa o desalinhamento com os interesses de seus aliados europeus ameaçados. Na prática, o afastamento poderá reduzir a influência norte-americana no continente europeu em favor da Rússia.
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Não há muita clareza sobre quais são os objetivos da nova política internacional norte-americana. Afastar-se dos países europeus e aproximar-se da Rússia? Afastar a Rússia da esfera de influência da China? Forçar os europeus, em tratamento de choque, a aumentarem seus gastos com defesa? Há quem diga que a nova política norte-americana separaria o mundo em novas zonas de influência para as superpotências bélicas, o que seria um retrocesso a um tempo anterior à Primeira Guerra Mundial quando Inglaterra e Alemanha disputavam a hegemonia mundial. Em editorial, o Wall Street Journal, um jornal de direita e normalmente simpático a governos republicanos, questionou a nova política internacional de Trump e clamou por esclarecimentos sobre ela (“Trump tem a obrigação de dizer aos americanos que nova ordem ele acha que está construindo”).
E o Brasil, como fica? Especificamente, temos uma dificuldade moral em criticar a nova posição do governo Trump em relação à Ucrânia, pois o Brasil em nada contribuiu até o momento em favor dos ucranianos. Ao contrário, o Brasil aumentou o comércio com a Rússia, principalmente na importação de óleo diesel. Eu, pessoalmente, sou um crítico severo da omissão brasileira e estive na Ucrânia para apoiar a luta daquele país por sua independência, mas, infelizmente, essa não é a posição do atual governo brasileiro. No quadro mais geral, estamos distantes do palco principal do debate mundial devido à perda de relevância internacional decorrente de 16 anos de governos desastrados do PT. De todo modo, apesar do antiamericanismo infantil de parte da esquerda no Brasil, o país normalmente esteve alinhado, globalmente, às posições norte-americanas, sem prejuízo de assumir a neutralidade em questões estratégicas e de manter excelentes relações comerciais com a China. O Brasil tem, ainda, o status de aliado prioritário extra-Otan. Considerando, porém, o enfraquecimento da Otan, esse status não significa muito no presente momento.
O melhor que o Brasil poderia fazer nesse momento de incerteza seria seguir os conselhos de Friedrich Merz e investir mais em sua própria defesa, reduzindo sua dependência e vulnerabilidade em relação a outros países. A esse propósito, a Proposta de Emenda Constitucional 55, de 2023, que prevê a elevação das despesas com a defesa nacional para pelo menos 2% do PIB, pode ser um passo inicial importante. Segundo a exposição de motivos da emenda, os gastos do Brasil com defesa teriam sido de cerca de 1,1% do PIB em 2022, muito abaixo da média global de 2,3%, e mesmo inferiores aos de vários países da América Latina. Também é relevante qualificar esses gastos, para aumentar a parte destinada a investimentos, evitando que os recursos sejam consumidos com pessoal. A possibilidade de estarmos diante de uma mudança significativa da geopolítica mundial e de alterações de alianças tradicionais que pareciam inabaláveis deve servir de alerta para o Brasil incrementar sua capacidade de autodefesa.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos




