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“De Espanha, nem bons ventos nem bom casamento”
| Foto: VortexMag

E muito pior a situação de Portugal ficou.

Você pode entender melhor sobre o que estou falando - e o que já estava ruim antes - lendo meu artigo anterior, no qual falo sobre a batalha que matou o país. E se foi Marrocos que o matou, a Espanha enterrou.

Escrevendo essa coluna eu até lembrei do meu falecido avô, um pescador português de alto mar, dizendo uma frase que eu nunca entendi muito bem, talvez pelo lindo e rústico sotaque madeirense dele que décadas no Brasil não foram capazes de suavizar: “De Espanha, nem bons ventos, nem bom casamento.” Pelo tom risonho dele eu entendia que era algum tipo de piada, mas o que nem ele e muito menos eu entendia na época é que a origem desse ranço português com os espanhóis era histórico e vinha de séculos.

Quando Portugal perdeu a batalha de Alcácer Quibir, também perdeu o rei Sebastião. O homem, sumiu! Ele não tinha filhos, e um rei que se preze não pode ter o direito de partir sem deixar um herdeiro para organizar a bagunça. Então, imagine a situação na qual estava Portugal: sem nobreza, sem dinheiro e sem rei. Mas se seu país é Portugal e seu vizinho é a Espanha, a chance de haver algum rei de sangue português na Espanha seria grande. Era comum princesas portuguesas se casarem com monarcas espanhóis; nessa união, o herdeiro teria sangue das duas nações. Assim, o risco de treta entre os dois países seria pequena, já que o sangue luso-espanhol corria nas veias do molequinho real, certo? Errado!

Nessa época da morte de Tião, quem mandava na Espanha era Filipe II, filho do todo-poderoso Carlos V, marido da "por-tabela-toda-poderosa" Isabel I, de Portugal. Ou seja, Filipe II se encaixava direitinho na fusão de DNA que mencionei acima. Mas aí você me pergunta: “Thiago, se Filipe II tinha sangue real português, e Portugal estava sem rei, ele não podia ser rei de Portugal?” Eu consigo imaginar Filipe no seu quarto à noite, debruçado na janela sentindo a brisa batendo nos seu rosto, olhando o horizonte português e se perguntando exatamente a mesma coisa. Ele nem deve ter conseguido dormir aquela noite; Portugal não saia da cabeça dele.

Então, imagine a situação na qual estava Portugal: sem nobreza, sem dinheiro e sem rei

Ele tinha motivos para estar ansioso mesmo: imagina ser dono da marinha mais poderosa da história mundial? E para a própria alegria, os portugueses estavam tão quebrados naquele momento que já nem se importavam com quem mandaria em Portugal. Filipe se aproveitou dessa desesperança e tratou de angariar apoiadores entre os portugueses para que a transição fosse a mais suave possível. Contudo, nem todos os portugueses estavam dispostos a entregar seu país nas mãos de espanhóis e o histórico de invasão espanhola em Portugal era bem ruim . Lembra da Batalha de Aljubarrota, sobre a qual já escrevi por aqui? Pois houve outras lutas depois daquela, e não foram pequenas. A Batalha de Alcântara, em 1580, reuniu 18 mil homens leais a Filipe e 8 mil portugueses patriotas. Vitória espanhola. Ou seria luso-espanhola? Seja como for, Portugal agora tinha um rei com sangue português, e de direito. Assim nascia a União Ibérica. Pelo menos é assim que hoje aquele acontecimento ficou conhecido, mas na época era cada um por si: Portugal tinha Filipe I de Portugal, e a Espanha continuava como Filipe II. Dois países independentes com o mesmo rei. A Espanha não dominou Portugal, que continuava sendo uma nação com suas instituições e com um rei - espanhol - que cuidaria dos interesses do país.

Filipe não quis nem saber. Tinha a maior marinha do mundo e iria usá-la a seu favor. E que lugar melhor para usar essa marinha do que na Inglaterra, ou melhor, contra a Inglaterra. Em 1580, no mesmo ano da sua posse como rei de Portugal, ele reúne o que seria uma frota ainda maior e insuperável: os melhores navios portugueses e espanhóis seriam usados nessa invasão. Aliás, de acordo com o professor George Modelski no seu livro Seapower in Global Politics, talvez o maior estudo geopolítico naval dos últimos 500 anos, diz que a invencível armada, como ficou conhecida essa frota reunida por Filipe, era liderada por 10 dos maiores e melhores galeões portugueses. Os portugueses deviam sentir o gosto amargo dessa invasão no ar, antes mesmo dela começar.

Mas Filipe II queria a conquista total da Inglaterra, custasse o que custasse: aqueles “protestantes imundos” (tenho certeza que ele deve ter dito isso pelo menos uma vez) sentiriam o fogo do inferno caindo sobre ele, literalmente.

Continua...

Conteúdo editado por:Jônatas Dias Lima
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