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Nossa saga em defesa dos povos medievais contra os tiktokers continua. Estamos numa cruzada contra campanhas de difamação contra os pobres europeus comuns. Na coluna anterior, derrubamos o mito de que, na Idade Média, as pessoas tomavam banho, em média, uma vez por ano. Nesta coluna, vamos enterrar outra mentira nojenta: europeus faziam xixi e cocô em baldes e jogavam pela janela.
Primeiro, vamos relembrar um aspecto básico quando estudamos história: quando historiadores se deparam com uma fonte escrita, ou visual, no caso de pinturas, uma série de problematizações e questionamentos precisam ser feitos no que chamamos de “método histórico crítico”.
Aplicar essa metodologia no estudo dos documentos primários nos ajuda a colocar o contexto correto e entender quando e por quem aquele documento foi feito, e até mesmo com qual objetivo: representar uma realidade de uma vila, uma cidade, uma nação, um continente, ou é uma pintura fantasiosa, ou mítica. Esses questionamentos nos ajudam a buscar uma melhor compreensão, por exemplo, da imagem da capa.
Seria um desserviço do ponto de vista histórico pegarmos essa imagem e dizermos que, como se trata de uma imagem suja, com um rio sujo, pessoas sujas, além daquilo que parece ser uma nádega mal desenhada (que parece mais um joelho, diga-se de passagem) defecando no rio, concluirmos que os povos medievais; dezenas e dezenas de milhões de pessoas em um continente diverso durante mil anos “faziam cocô em tudo que era canto”, parafraseando um desses tiktokers.
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Consegue perceber a infelicidade para quem valoriza o estudo sério da história.
Muitos desses vídeos têm dezenas e até centenas de milhares de visualizações, e sem dúvida, banalizam de forma preconceituosa a vida de tantas pessoas
Dito isso, vamos ao mito do cocô e xixi pela janela. Já faz pelo menos 100 anos que estudos especializados sobre a Idade Média têm combatido essas fake news, que são muito mais antigas que o TikTok: vem pelo menos desde o século XVIII com o Iluminismo, que tentava mostrar sua superioridade com as pessoas que vieram séculos antes deles.
O artigo “Sanitation, Baths, and Street-Cleaning in the Middle Ages”, (Saneamento, banhos e limpeza de ruas na Idade Média), de 1928, diz, na página 192, que “entre as muitas censuras feitas contra a Idade Média, uma das calúnias mais insistentes tem sido uma calúnia de três cabeças latindo como cérbero para este efeito. Primeiro, que as ruas das cidades medievais eram constantemente mal cheirosas e cheias de sujeira, devido à falta de esgotos fechados e conveniências privadas ou públicas, ao costume de jogar lixo na rua e à falha das autoridades municipais.”
Os medievais conheciam e usavam uma prática comum desde os tempos mais remotos da humanidade: enterrar os excrementos, ou descartá-los nos rios próximos.
Aliás, essas práticas são usadas até hoje em muitas partes do mundo, inclusive. Esse era o padrão medieval, e em muitos lugares havia latrinas públicas.
Portanto, é absurdo e uma falsificação histórica dizer que os povos medievais, representando o continente europeu nos mil anos de Idade Média, faziam cocô em qualquer lugar.
Qualquer fonte escrita ou visual que sugira isso deve ser colocada no seu tempo e local específicos. De resto, cuidado com esses cocôs em forma de conteúdo no TikTok.




