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Vivemos uma era dos extremos na cultura pop: de um lado estão os que defendem que tem que haver inclusividade e representatividade nos filmes /série/jogo; outros veem lacração em tudo. Esses extremos fazem barulho! Felizmente, ainda há muitas pessoas no meio-termo, que certamente são a maioria. Mas a polarização nos jogos surge de novo, dessa vez com o lançamento de Kingdom Come Deliverance 2.
Quem acompanha meu trabalho sabe que esse é um dos jogos mais bem feitos do ponto de vista histórico: eu analisei os dois jogos no meu canal Brasão de Armas. Porém, o “problema” está no segundo jogo.
Muitos estão furiosos com a maneira com que Henry pode usar sua “espada” no jogo: Henry tem a possibilidade de escolher se envolver ou não em um relacionamento gay. Mas vamos entender primeiro o contexto histórico do jogo: início do século XV na região da Bohemia, atual República Tcheca.
Por ser um jogo histórico, baseado na Idade Média, muitos estão dizendo que Henry não poderia ser gay, pois os gays eram perseguidos e até mortos pela igreja; se eles existissem, seriam queimados e deixariam de existir.
Esse raciocínio é no mínimo infantil, pois o jogo está mostrando apenas o caso de uma pessoa, não está normalizando a prática como se ela fosse aceita na sociedade
No próprio jogo, vemos personagens mostrando como a sociedade não tolerava gays, ao mesmo tempo, em que prova que eles existiam. Além disso, é óbvio que seria impossível a igreja perseguir e matar todos os gays medievais.
Contudo, quando saímos da militância estúpida, que infecta muitos à esquerda e à direita, e começamos a estudar de verdade o período, entendemos que não há nada de errado, do ponto de vista histórico, ter havido um Henry gay.
Por exemplo, o artigo escrito pelo medievalista Arno Karlen chamado “Heresia Homosexual” diz na página 45 que a prática (homossexual) era conhecida e ia das classes mais baixas até as mais altas: “Reclamações da homossexualidade ocorriam na Espanha e Suíça.
Havia menções à prostituição homossexual, ao lesbianismo e ao travestismo em Roma e Veneza. Acusações bastante confiáveis de homossexualidade foram feitas contra muitos nobres, reis e clérigos ilustres em toda a Europa.
No século XV, a moralidade cívica teve que ser protegida pastoreando as prostitutas que lotavam cidades europeias em prostíbulos estaduais e municipais. Banhos públicos surgiram pela primeira vez desde o Império Romano, e muitos eram “bordeis abertos”.
Em outras palavras, tinham muitos gays na Idade Média! Porém, não era nem de perto a maioria da população, assim como na Grécia e Roma antigas, e assim como hoje.
Então, do ponto de vista histórico apenas, não tem nada de bizarro o criador ter colocado o Henry com essa escolha, porque, como vimos, existiam gays das classes mais altas até as mais baixas, até muitos do clero foram denunciados pela prática.
Entretanto, muitos estão fazendo pirraça pela mera existência da escolha: Henry pode ou não aceitar o relacionamento gay. Ora, esse é um jogo de RPG e, como todo jogo de RPG, você tem escolhas para fazer ao longo da sua vida no jogo, e ter um momento de “broderagem” ou não é uma dessas escolhas.
Henry só vai entrar em um relacionamento gay se o jogador quiser que ele entre: se você quiser que ele continue sendo um “hétero top católico zé cruzadinha” ele vai continuar sendo.
Mas caso alguém queira que Henry tenha um relacionamento gay, também é possível.
Canais no YouTube chegaram a fazer “dossiês” com prints do diretor do jogo Daniel Vrava mostrando que, desde o primeiro jogo, Henry era para ser cristão e hétero, e como no KCD 2 ele se rendeu à cultura woke. O jogador tem o direito de escolher continuar jogando com o Henry hétero do primeiro jogo, mas estão reclamando de uma escolha que é oferecida.
Rejeitar um relacionamento gay não é uma reafirmação ainda mais clara da heterossexualidade? Mas até disso reclamam!
A cultura woke existe; é real; é nociva; e o autor deste texto é conhecido por combatê-la. Entretanto, precisamos usar uma coisa chamada “bom senso”, muito útil em nossas vidas, para escolher bem a luta que combatemos e para não afastar as pessoas quando a luta for realmente relevante, e não ninharias infantis como esta.




