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O mito histórico do “bom” muçulmano
| Foto: Divulgação

“Mas quer dizer que os cristãos eram santinhos, é?” Esse foi um dos comentários que vi no mais recente vídeo “Destruindo os maiores mitos dos muçulmanos” do meu canal no Youtube, o Brasão de Armas. Pois é. Um comentário bobinho, mesmo. É como achar que, se você disser que comunistas eram “mauzinhos”, significa que você está dizendo que os nazistas eram “bonzinhos.” É melhor nem tentar entender o que se passa dentro da massa encefálica de certos indivíduos. A vida é curta demais para isso. Mas, apesar do tema controverso do vídeo, até o momento o vídeo tem 99,5% de aprovação, segundo as métricas do Youtube. E foi muito bom ver a reação positiva e até a surpresa das pessoas com alguns dos mitos que apresentei ali. O vídeo foi tão bom e revelador para tanta gente que pensei: por que não compartilhar esses mitos com meus leitores aqui na Gazeta?

Como disse na coluna anterior, no último século os muçulmanos medievais foram promovidos a super pessoas divinas, verdadeiros faróis da liberdade, da tolerância, da ciência, da tecnologia, da filosofia e todos os outros -ias que se possa acrescentar a esse lindo legado oriental. Ora, duvidar de que os muçulmanos medievais tenham contribuído de forma muito positiva nas ciências seria uma grande estupidez: a historiografia confirma esse fato. Mas, de repente, muitas pessoas (e até estudiosos) se “esqueceram” das grandes atrocidades que eles também cometeram por onde passaram. Eu estou aqui para lembrar que muçulmanos eram tão humanos como todos os outros humanos. Portanto chegou a hora de cumprir a promessa que fiz a vocês na coluna da semana passada: tirem as crianças da sala, porque a coisa vai ficar feia agora. Para isso, vamos para o outro lado do Atlântico, há cerca de 1.300 anos atrás: Península Ibérica.

Nem na morte os árabes cristãos tinham paz: as autoridades islâmicas por vezes desenterravam árabes mortos porque descobriam postumamente que eles haviam se tornado cristãos e crucificavam o cadáver do pobre diabo.

Do ponto de vista social e geopolítico, não tem lugar melhor no mundo para ver o mito do bom muçulmano se quebrando. É porque você sabe muito bem que o maior império muçulmano da época, o Califado Omíada, dominou praticamente toda a Península Ibérica, então chamada de Al-Andalus. E com esse império já começa a propaganda da tolerância religiosa e paz reinando por toda a península. Esse período que começou em 711 ganhou até um nome bonito: o paraíso de Andaluzia.

No seu livro O mito do paraíso de Andaluzia, o historiador Dario Fernandez Morera menciona que, entre as atrocidades feitas pelos mouros do Califado Omíada, estavam crucificações, empalamentos e a típica decapitação. Inclusive uma crônica da época descreve como o Emir Abd al-Rahman III decapitou 100 prisioneiros cristãos para dar o exemplo e enviou todas as cabeças para a cidade de Córdoba, que vivia tentando se rebelar. Aliás, sobrava até para os muçulmanos hereges que viravam cristãos: o cronista Ibn Hayyan descreve uma série de crucificações de muçulmanos apóstatas em praça pública.

Nem na morte os árabes cristãos tinham paz: as autoridades islâmicas por vezes desenterravam árabes mortos porque descobriam postumamente que eles haviam se tornado cristãos e crucificavam o cadáver do pobre diabo. Talvez o exemplo mais conhecido seja o de um mouro convertido chamado Ibn Hafsun que sofreu esse destino.

E se hoje as mulheres ainda sofrem e são desumanizadas sob muitas leis islâmicas, imagine naquela época. Assim como hoje, as mulheres eram submetidas à terrível lei da sharia. Relatam-se casos de mulheres tendo o rosto queimado, como o de um califa que queimou o rosto de uma mulher que resistia às sua investidas sexuais. Uma coleção de leis islâmicas chamada "Muwatta" mostra que as mulheres eram frequentemente "circuncidadas", o que é só um eufemismo para mutilação genital feminina.

E quando o Império Omíada caiu, vieram os Almóadas e Almorávidas, que só pelo nome já dá para você perceber que coisa boa não era. De acordo com o professor Mark Cohen no seu livro Under Crescent and Cross [Sob o crescente e a cruz], na página 117, eles tocaram o terror na Península: decapitações em massa, crucificações, queimas de igrejas e conversões forçadas tanto de cristãos quanto de judeus ao islamismo marcaram décadas de opressão. Curiosamente, este mesmo autor é bem favorável aos muçulmanos de maneira geral, diga-se de passagem.

É óbvio que não dá para saber a frequência e duração com que essa violência acontecia, assim como é impossível saber a duração dos períodos de paz. Mas ambos aconteciam e estão muito bem documentados: generalizar para um ou para outro período é simplificar demais uma dinâmica tão complexa. Muitas pessoas sofreram nesse período e isso é atestado na obra Christian Martyrs under Islam: Religious Violence and the Making of the Muslim World [Os mártires cristãos sob o islã: A violência religiosa e a construção do mundo muçulmano]. Nessa obra, o professor Christian C. Sahne nos mostra como a “violência contra os cristãos estabeleceu as bases do antagonismo entre as relações cristãs-muçulmanas nos séculos seguintes" e como líderes da luta contra os muçulmanos e seus apoiadores eram brutalmente assassinados, deixando uma marca de terror que permanecia na memória das pessoas por décadas. Aliás, a própria Reconquista e os sete séculos de luta dos europeus para expulsarem os mouros da Península Ibérica mostra esse antagonismo arraigado, e que se eles lutaram e morreram por isso, deviam ter forte motivos mesmo. Ou seja, esse Paraíso de Andaluzia estava mais para um inferno estressante. E infelizmente, ainda tem mais... Muito mais!

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