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Quando surge a chance de dizer que Deus tem participação no processo evolutivo que deu origem ao homem, cristãos tendem a deixar o criacionismo de lado. (Imagem: Reprodução)
Quando surge a chance de dizer que Deus tem participação no processo evolutivo que deu origem ao homem, cristãos tendem a deixar o criacionismo de lado. (Imagem: Reprodução)| Foto:

Já faz alguns anos que o Pew Research Center mede a adesão dos americanos à Teoria da Evolução e ao criacionismo. E os resultados nem sempre eram assim animadores, mostrando que o criacionismo de Terra jovem costuma cativar uma boa parcela dos entrevistados. Mas o instituto percebeu que a maneira como a pergunta é feita está interferindo nas respostas. O problema não é exatamente o palavreado usado nas questões, e sim o “fluxograma” da pesquisa. Quando os entrevistadores passaram a usar uma outra abordagem, houve uma mudança significativa nos resultados – felizmente, para melhor.

Até então, a pesquisa do Pew Research sobre como os americanos entendem a origem do ser humano tinha duas etapas: primeiro, perguntava-se se os homens eram resultado da evolução, ou se foram criados por Deus da forma como são hoje, desde o início dos tempos. Se alguém dizia que o ser humano tinha evoluído, só então se apresentava uma segunda pergunta: se esse processo evolutivo foi, de alguma forma, guiado ou desejado por Deus, ou se foi algo aleatório, que não tem nada a ver com divindade alguma.

Na última versão da pesquisa, parte dos entrevistados recebeu um questionário diferente. A evolução “guiada por Deus” entrava logo de imediato, em uma pergunta única, mas com três alternativas: a criacionista (o homem foi criado por Deus do modo como é hoje, desde o início dos tempos), a evolução com participação divina, e a evolução sem participação divina.

O que aconteceu? Neste segundo modelo de pesquisa, a aceitação da evolução subiu consideravelmente, e o criacionismo perdeu terreno. No modelo “antigo” de perguntas em duas etapas, 31% defendiam que o homem foi criado já na forma atual e 68% defendiam a evolução, divididos em 40% favoráveis à “evolução sem Deus” e 28% favoráveis à “evolução com Deus”. Já com o modelo de uma questão com três alternativas, a opção criacionista teve 18%, a “evolução sem Deus” teve 33% e a “evolução com Deus”, 48%, ou quase metade dos entrevistados. Os pesquisadores ainda mostram que, ao mudar a maneira de fazer a pergunta, a queda na adesão ao criacionismo é substancial especialmente em três grupos: evangélicos brancos, protestantes negros e católicos; há pouca mudança entre protestantes históricos brancos e pessoas sem filiação religiosa.

E quais os motivos da mudança? Neste outro texto, em que apresenta uma visão geral dos resultados e faz uma recapitulação histórica de como o instituto vem realizando essa pesquisa, os autores afirmam: “Os resultados do novo experimento mostram que há pessoas que acreditam que os humanos evoluíram ao longo do tempo, mas que, por alguma razão, não afirmavam isso em nosso questionário tradicional sobre o tema. Talvez, sem a possibilidade de ligar Deus à evolução de modo imediato, alguns entrevistados religiosos podiam se preocupar com a possibilidade de, ao expressar sua crença na evolução, estarem se colocando de forma incômoda do lado secular de uma divisão cultural”. Em outras palavras, um entrevistado poderia ver, na questão com apenas duas alternativas, não tanto uma pergunta sobre “evolução ou criação”, mas algo mais profundo, uma escolha entre haver ou não um Deus. Daí uma tendência a optar pelo viés criacionista. Mas, quando se oferece ao entrevistado logo de cara a alternativa de pegar Deus e Darwin juntos, a fé e o conhecimento científico, a coisa se torna muito mais palatável.

Faz sentido? Eu suponho que, para alguém totalmente convicto quanto à evolução, e também com fé muito sólida, não faria diferença apresentar as perguntas de um ou de outro jeito: diante da questão “velha”, com duas alternativas, essa pessoa responderia favoravelmente à evolução; afinal, a outra alternativa é o nonsense criacionista. Pelo menos é o que eu faria. Mas eu não sei até que ponto o grosso da população vê o criacionismo dessa forma, ou associa a evolução ao ateísmo, sem saber que existe a conciliação possível. Então, para uma parcela significativa das pessoas, apresentar logo de imediato a opção da evolução guiada ou desejada por Deus realmente faz diferença. Tanto é assim que o Pew Research pretende adotar o novo método (uma questão com três alternativas) como o padrão daqui em diante.

Dá para melhorar, evidentemente, até porque eu ainda vejo um problema quando se coloca a “seleção natural” de um lado e Deus no outro. Quem defende a evolução como sendo a forma que Deus usa para criar a variedade de vida na Terra não nega a seleção natural. Por isso, a formulação exata da alternativa (“os humanos evoluíram ao longo do tempo graças a processos que foram guiados ou permitidos por Deus ou um poder superior”), enquanto a seleção natural consta apenas na outra alternativa (em que “Deus ou um poder superior não tem papel nenhum neste processo”), ainda dá margem, por exemplo, a visões próximas ao Design Inteligente. Então, ainda vejo espaço para um aprimoramento nos termos usados na pesquisa. O desafio é fazer isso sem tornar as alternativas herméticas demais para quem não é do ramo, ou sem acabar obrigado a formular muitas alternativas, cada uma com uma descrição muito específica do papel divino nos processos evolutivos.

Pequeno merchan

Além de editor e blogueiro na Gazeta do Povo, também fui colunista de ciência e fé na revista católica O Mensageiro de Santo Antônio entre 2010 e 2017. A editora vinculada à revista publicou o livro Bíblia e Natureza: os dois livros de Deus – reflexões sobre ciência e fé, uma compilação que reúne boa parte das colunas escritas por mim e por meus colegas Alexandre Zabot, Daniel Marques e Luan Galani ao longo de seis anos, tratando de temas como evolução, história, bioética, física e astronomia. O livro está disponível na loja on-line do Mensageiro.

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