
Ouça este conteúdo
No Congresso Latino-Americano de Ciência e Religião de 2023, na Argentina, do qual participei, o painel final elencou alguns desafios para essa área na região, e um deles era o de atrair gente nova, em dois sentidos: fazer com que mais pessoas se interessem pelo tema (o que é mais simples) e atrair mais pesquisadores e acadêmicos (o que é mais complicado). O problema, neste segundo caso, é que esse campo chamado “ciência e religião” ainda não está suficientemente consolidado na América Latina, de forma que ofereça oportunidades suficientes para as pessoas pagarem seus boletos.
Fazer carreira e sustentar-se estudando a relação entre ciência e fé, como atividade principal, ainda é para poucos sortudos. O mais provável, ao menos no ambiente acadêmico, é que tenhamos pesquisadores que tratam do tema, mas que no dia a dia estão dando aula de alguma outra coisa, por exemplo as tais “Ciências da Religião” – que são o estudo do fenômeno religioso pela lente de ciências como a Antropologia ou a Psicologia, ou seja, não têm nada a ver com “ciência e religião”, que trata da relação entre as religiões e as ciências naturais. Esse é um dos pontos importantes que Humberto Schubert Coelho, da Universidade Federal de Juiz de Fora, levanta em seu artigo “Como ter uma carreira em ciência e religião”, publicado tempos atrás na Unus Mundus, a ótima (e gratuita) revista on-line da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência.
Seminários, faculdades de Teologia e graduações em ciências oferecidas por universidades confessionais poderiam muito bem ter disciplinas ou ao menos cursos curtos sobre ciência e fé
Coelho mostra que há duas dificuldades nesse “fazer carreira”: a primeira é teórica, pois a expertise nesse campo exige, na verdade, conhecimento profundo interdisciplinar: o interessado precisa entender muito de religião (ou, pelo menos, de uma fé específica) e de ciência (ou, pelo menos, de uma ciência específica); se já dá trabalho especializar-se em uma área de conhecimento, imagine em duas – ainda mais duas que até pouco tempo atrás a maioria das pessoas considerava serem impossíveis de conciliar, e cujas linguagens foram se afastando ao longo dos séculos!
A segunda dificuldade é prática: encontrar a tal da “colocação profissional”. Felizmente, estamos melhores hoje que na virada do milênio, quando não havia nem ABC2, nem Sociedade Brasileira dos Cientistas Católicos, nem Nupes, nem nada. Mas ainda faltam oportunidades profissionais nessa área. Quantas faculdades de Teologia, por exemplo, têm uma disciplina específica sobre ciência e fé? E as universidades confessionais, não poderiam ter nos seus cursos de ciências alguma disciplina nessa linha, algo do tipo “Física (ou insira aqui qualquer outra ciência) e Cristianismo (ou insira aqui qualquer outra religião, ou mesmo “religião em geral”)”? Ou institutos de pesquisa em ciência e fé, como tem aqui a PUCPR? Ou cátedras dedicadas ao tema, como a Universidade de Oxford? E os seminários onde são formados os futuros líderes religiosos, como padres ou pastores?
Neste último caso, sabemos que a demanda existe: em 2011, fiz uma sondagem com seminaristas católicos brasileiros sobre vários temas de ciência e fé, e perguntei a eles se tinham interesse no tema, e se o consideravam importante. As respostas foram animadoras: 61,5% dos entrevistados tinham “muito interesse”, 34,3% disseram ter “algum interesse”, e apenas 4,2% afirmaram ter “pouco” ou “nenhum” interesse no assunto. E mesmo quem não era tão interessado assim reconhecia a importância do tema: 70,6% disseram achar “muito importante” aprender sobre ciência e fé no seminário; 26,6% disseram ser “importante”; ninguém respondeu que o assunto era “pouco” ou “nada” importante. Ampliar a cultura geral e a formação intelectual, dialogar com a sociedade (incluindo ateus e cientistas), e poder aconselhar e tirar dúvidas dos fiéis no futuro foram as três principais razões apontadas pelos seminaristas para se interessar pelo tema ou considerá-lo importante. Oito em cada dez entrevistados disseram que sua formação no seminário incluía temas de ciência e fé, mas não perguntei se havia uma disciplina dedicada ao assunto ou se ele aparecia esporadicamente em outras aulas.
VEJA TAMBÉM:
Nos Estados Unidos já existem programas dedicados especialmente ao ensino de ciência e religião nos seminários cristãos (católicos ou protestantes). O Diálogo sobre Ciência, Ética e Religião, departamento da Associação Americana para o Avanço da Ciência (DoSER-AAAS), tem o Science for Seminaries, com uma tonelada de material para uso na formação de líderes religiosos. A Fundação John Templeton já bancou projetos para oferecer conteúdos de ciência e fé em seminários católicos. Nem sempre são disciplinas tradicionais; às vezes são cursos com temas mais fechados. Mas não deixam de ser uma oportunidade profissional para os pesquisadores envolvidos com esse diálogo entre ciência e fé. Quando começarmos a ver algo assim por aqui, quem sabe uma carreira no campo da ciência e da religião, daquele tipo que paga os boletos, se torne uma possibilidade mais real e seja possível atrair mais gente para essa área.
As novidades sobre eventos de ciência e fé em 2025
No começo do ano, publiquei aqui um calendário de bons eventos de ciência e fé previstos para este ano, mas vários deles ainda não tinham inscrições abertas, ou site oficial. Mas temos atualizações. A Conferência Ciência e Fé da igreja Sara Nossa Terra, que ocorre em Brasília (DF) em 2 e 3 de maio, agora tem site oficial com inscrições e informações dos palestrantes (incluindo este colunista, embora o tema da minha palestra não seja aquele que consta lá no momento). O XII Congresso Latino-Americano de Ciência e Religião, marcado para 10 a 12 de setembro, em Roma, também abriu inscrições, como noticiei um mês atrás; quem vai assistir ao evento remotamente não paga nada (a não ser que precise de um certificado), enquanto os sortudos que estarão lá presencialmente têm a opção de acrescentar ao pacote dois passeios imperdíveis, aos Museus Vaticanos e ao Observatório Vaticano, em Castelgandolfo. E o IV Congresso Brasileiro de Humanismo Solidário na Ciência, organizado pela Sociedade Brasileira de Cientistas Católicos e previsto para 16 a 18 de outubro, em Goiânia, também está com site oficial e abre inscrições nesta próxima segunda-feira, 31 de março.








