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“Esta deve ser uma época empolgante para ser um astrônomo!” Foi assim que, na última segunda-feira, o papa Leão XIV – que, lembremos, se formou em Matemática antes de entrar para a ordem agostiniana – se dirigiu aos participantes da Escola de Verão do Observatório Vaticano, que teve como tema as descobertas do novo telescópio espacial James Webb. “Os autores sagrados, que escreveram muitos séculos atrás, não tiveram o privilégio” de ver essas imagens do universo, disse o papa, acrescentando que isso não os impediu de demonstrar, na linguagem poética da Escritura, sua admiração diante da criação – a mesma admiração que o mundo moderno sente diante das fotos de galáxias longínquas.
A Igreja Católica tem uma ligação sólida e longeva com a astronomia, como atesta a própria existência de um Observatório Vaticano – cuja configuração moderna, aliás, devemos a Leão XIII, o antecessor em quem o atual papa disse ter se inspirado na escolha do nome pontifício – e que tinha um cometa em seu brasão! Uma parte dessa história está contada em um belo livro publicado pelo Observatório em 2009, e traduzido para o português em 2023 pela PUCPress, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná: Os céus proclamam – Astronomia no Vaticano foi organizado pelo irmão jesuíta Guy Consolmagno, que em 2015 se tornaria diretor do Observatório, sucedendo o padre José Gabriel Funes.
“Os céus proclamam” é um atestado do papel da Igreja no fomento da ciência e uma demonstração de que o suposto conflito entre ciência e religião não passa de ilusão
O livro é dividido em várias partes, a maioria delas formada por ensaios e artigos escritos pelos próprios membros do Observatório. E há conteúdos disponíveis para todos os gostos: “As estrelas nas Escrituras” recolhe uma série de citações bíblicas sobre a beleza do céu e a criatividade divina. “As estrelas na nossa história” tem três textos: um sobre a reforma do calendário feita em 1582, um sobre o caso Galileu e um sobre a história do Observatório Vaticano. “As estrelas e as galáxias”, bem, é autoexplicativo: tem informações científicas sobre a Via Láctea e outras galáxias. “Observando estrelas” traz dois textos sobre o cotidiano do trabalho em Castel Gandolfo, onde fica a sede do Observatório Vaticano, e no Arizona, onde os jesuítas mantêm um enorme telescópio. “Os companheiros de uma estrela” tem artigos sobre planetas – incluindo os planetas extrassolares, um dos poucos conteúdos que precisaram de uma atualização pesada desde 2009 –, meteoros e meteoritos. “Ponderações estelares” tem um texto sobre o Big Bang e a teologia da Criação, um ensaio sobre a Matemática como linguagem divina (aposto que Leão XIV gostaria desse), e uma coletânea de pronunciamentos dos papas sobre astronomia. Por fim, “Perguntas sobre as estrelas” é uma série de perguntas e respostas sobre o universo e sobre o Observatório Vaticano – desde “o universo é infinito?”, passando por “a Estrela de Belém é o cometa Halley?” até “quanto custa o Observatório Vaticano?”
Como se pode ver, há conteúdo para todos os gostos: para quem quer saber detalhes puramente científicos dos corpos celestes, dos meteoritos que caem por aqui de vez em quando até as galáxias mais longínquas, para quem quer conhecer a história da relação entre a Igreja Católica e a astronomia, para quem não sabe o que é e o que faz uma instituição como o Observatório Vaticano, para quem quer explorar os assuntos de interseção entre astronomia e fé católica... seja lá qual for seu interesse, Os céus proclamam terá ao menos alguma coisinha para matar sua curiosidade. E tudo lindamente ilustrado, com imagens históricas e fotos do universo para dar e vender. Eu achei especialmente interessantes as fotos dos papas em suas visitas ao Observatório; tem até Paulo VI enviando sua mensagem aos astronautas da Apollo 11!

Isso vale até para quem não é novato no assunto. Eu mesmo nunca havia lido nada muito detalhado sobre a mudança do calendário juliano para o gregoriano. O ensaio do padre William Stoeger sobre Big Bang e criação, um tema sobre o qual já li bastante e escrevi aqui no Tubo de Ensaio, tem alguns insights que eu ainda não havia visto. Finalmente descobri de onde veio a frase “a ciência pode purificar a religião do erro e da superstição; a religião pode purificar a ciência da idolatria e dos falsos absolutos”, de João Paulo II – foi de uma carta ao padre George Coyne, e o texto todo é espetacular.
Os céus proclamam é um atestado do papel da Igreja no fomento da ciência – um papel que continua até hoje, embora talvez menos intenso que na época em que os jesuítas estavam na linha de frente da pesquisa em astronomia. E também uma demonstração de que o suposto conflito entre ciência e religião não passa de ilusão, apesar de alguns episódios específicos (como o caso Galileu) ou de tentativas, intencionais ou não, de um uso indevido de uma ou de outra. Nesse caso, é interessante ver que o livro inclui trechos do famoso e controverso discurso Un’ora, de 1951, em que Pio XII falou do Big Bang como se fosse uma prova da criação divina, e na sequência publicou também a íntegra do discurso que o mesmo papa fez no ano seguinte à União Astronômica Internacional, sem nenhuma citação da teoria sobre o início do universo, após a advertência de ninguém menos que o próprio Georges Lemaître.
Livro bom, e de graça ainda por cima?
Exatamente: Os céus proclamam está disponível gratuitamente em formato de e-book, e na página da PUCPress você pode escolher a versão mais adequada para o seu e-reader. Esse é o resultado de uma parceria entre o Instituto Ciência e Fé da PUCPR e o Observatório Vaticano, e que rendeu também outras traduções de livros, todos também disponíveis de forma gratuita, como Quando a ciência dá errado, Vida inteligente no universo? e Encontrando Deus no universo.
E que tal uma chance de conhecer o Observatório Vaticano?
O XII Congresso Latino-Americano de Ciência e Religião, marcado para 10 a 12 de setembro em Roma, ainda está com inscrições abertas. Quem participar presencialmente ainda tem a opção de fazer duas visitas (pagas): ao Observatório Vaticano, em Castel Gandolfo, e aos Museus Vaticanos. E os interessados em fazer alguma apresentação ainda estão dentro do prazo para enviar seus abstracts; confira as instruções completas na convocação publicada pelos organizadores.








