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Desde janeiro deste ano, prática de queima da palha da cana-de-açúcar foi abandonada e substituída pela colheita mecanizada no estado de São Paulo | Arquivo/Gazeta do Povo
Desde janeiro deste ano, prática de queima da palha da cana-de-açúcar foi abandonada e substituída pela colheita mecanizada no estado de São Paulo| Foto: Arquivo/Gazeta do Povo

A história por trás do desenvolvimento da primeira cana geneticamente modificada é um exemplo das idas e vindas no avanço da ciência - comuns a todos os países, pelas incertezas das descobertas, mas ainda mais difíceis num país como o Brasil, onde as oscilações econômicas provocam outros entraves.

O trabalho do qual os usineiros agora se beneficiam começou a ser desenvolvido no fim da década de 90, quando a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) resolveu incentivar a então incipiente genômica - ramo da bioquímica que estuda e modifica o genoma de um organismo.

Foi montada uma rede virtual, com 60 laboratórios. “A bactéria (cujo gene seria decifrado) tinha de ser importante e com genoma relativamente pequeno”, diz Fernando Reinach, colunista do Estado e, à época, um dos coordenadores da diretoria científica da Fapesp e responsável pela criação da rede.

O primeiro sequenciamento foi da xylella, que ataca laranjais causando a doença conhecida como amarelinho. Começava um aprendizado na qual foram investidos US$ 39 milhões, o equivalente a 2,5% do orçamento da Fapesp, de 1997 a 2003. Resultou em queda de 43% dos laranjais infectados para menos de 3%. Também desenvolveu uma massa crítica de pesquisadores que pôs o Brasil na fronteira do conhecimento na área. A pesquisa mereceu destaque na imprensa internacional.

Após o sequenciamento do genoma da xylella surgiram as primeiras iniciativas que pretendiam transformar o conhecimento da academia em aplicações práticas e comerciais. Nasciam, em 2002, empresas como a de bioinformática Scylla, a de genômica aplicada Alellyx e, no ano seguinte, a de melhoramento de cana CanaVialis.

Na época à frente da Votorantim Novos Negócios, Reinach foi o fomentador da Alellyx e da CanaVialis, nas quais foram investidos US$ 30 milhões. “Tínhamos uma parceria para usar os genes da Monsanto na cana e, quando viram que éramos capazes, enxergaram valor na empresa.” Em 2008, a Monsanto pagou US$ 300 milhões pela empresa, no meio da crise financeira global.

Com o preço do petróleo a US$ 150 o barril, as grandes empresas do agronegócio viram um futuro sem paralelo no biocombustível. “A cana ia dominar o mundo”, diz Paulo Furquim, professor de Economia do Insper e especialista na área. “Os investimentos aqui e nos EUA eram muito grandes, mas o avanço da ciência tem um caráter de imprevisibilidade.” Com a descoberta do gás de xisto nos EUA, do pré-sal no Brasil e as preocupações com uma eventual crise de alimentos, o biocombustível minguou antes de acontecer. No Brasil, a política do governo Dilma, que segurou a inflação não reajustando preços dos derivados de petróleo e provocando enorme crise no setor de etanol, jogou a pá de cal nos investimentos em pesquisa.

Virada

Todos os grandes grupos internacionais, Monsanto incluída, fecharam as unidades de pesquisa na área no Brasil. “Era outubro de 2015: pensávamos estar entrando numa reunião na qual discutiríamos bônus”, diz a bióloga Camila Fornezari Rabello, que gerencia times de análises moleculares no CTC. “Fomos todos demitidos.” Agustina Gentile, na época líder de desenvolvimento de protocolos na Monsanto, lembra que, naquele ano, trabalhavam com uma variedade de cana muito difícil de modificar. “Tivemos sucesso mas, na hora dos resultados, tudo foi queimado”, diz Agustina, hoje líder de caracterização molecular do CTC. Com as regras de biossegurança bastante rígidas, a multinacional destruiu toda a pesquisa.

Ao mesmo tempo que a Monsanto fechava as portas, o CTC ganhava fôlego. Criado em 1969 pela Coopersucar, era um centro de pesquisas que resolvia problemas básicos operacionais do setor, sustentado por usineiros. Em 2011, Teixeira Leite, que era presidente da Monsanto no Canadá e no Brasil quando a canola e a soja transgênicas foram lançadas, foi levado à empresa com a missão de reinventá-la: o CTC se tornaria independente, bancando-se com royalties. Com a redução dos ganhos incrementais que produzia, era preciso investir em pesquisa em áreas de ponta, para que o usineiro passasse a pagar por elas. “O CTC era um camarada de quarenta e poucos anos, formado em Harvard e falando cinco idiomas, mas que morava com a mãe e ganhava mesada”, diz ele.

Num primeiro momento, o BNDESPar (braço de participações do BNDES) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) se associaram aos 154 usineiros que a bancavam para criar o mais moderno laboratório da área. As contratações foram feitas nos concorrentes internacionais e no exterior, além de 30 pessoas que ficaram na rua com o fechamento da Monsanto.

Hoje com 400 funcionários, dos quais dois terços são pesquisadores, o CTC está no azul desde a safra de 2013/2014 e deve faturar R$ 180 milhões este ano. Listada no Bovespa Mais desde 2016, mas sem ações negociadas, está se preparando para a abertura de capital em mais alguns anos.

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