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O jornalista William Waack no estúdio do Jornal da Globo: declaração reacende discussão sobre endurecimento de punições de casos de preconceito racial. Crédito da foto: Ramon Vasconcelos/Rede Globo
O jornalista William Waack no estúdio do Jornal da Globo: declaração reacende discussão sobre endurecimento de punições de casos de preconceito racial. Crédito da foto: Ramon Vasconcelos/Rede Globo| Foto:

Projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados pretendem fechar o cerco contra quem manifesta discriminação racial. Caso sejam aprovados e virem lei, alguns poderiam levar à cadeia pessoas que externem verbalmente seu preconceito – tal como fez o  jornalista da Rede Globo William Waack . Outra proposta permitiria que a Globo fosse processada e até mesmo fechada por causa de declarações como as de seu funcionário.

O endurecimento das punições contra a discriminação racial voltou à discussão pública após a divulgação do vídeo em que William Waack demonstra preconceito ao se irritar, no intervalo de uma gravação em Washington (EUA), com um motorista que buzinava nos arredores de onde ele estava. O vídeo mostra Waack dizendo que o comportamento do motorista era “coisa de preto”.

Assista ao vídeo de William Waack

Foi crime? Caso de William Waack é controverso

A responsabilização criminal de William Waack é um assunto controverso. Especialistas em Direito não têm consenso se o jornalista cometeu crime de fato. E, mesmo se tivesse cometido, se poderia ser processado.

Há quem considere que, embora a conduta de Waack seja eticamente reprovável, não se pode caracterizá-la crime.  Waack não teria tido a intenção de provocar uma repercussão pública e tampouco se dirigiu pessoalmente ao motorista (ele falou com um colega de trabalho estava ao seu lado, Paulo Sotero, no intervalo de uma gravação).

Há ainda outra dúvida jurídica para processá-lo: a declaração preconceituosa foi dada quando Waack estava nos Estados Unidos, participando da cobertura da eleição presidencial norte-americana, em novembro do ano passado. E o motorista do caso era americano. Desse modo, o suposto crime só poderia ser julgado nos Estados Unidos.

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Se há crime, qual é o crime: racismo ou injúria racial?

Contudo, considerando que o jornalista pudesse ser processado criminalmente no Brasil, ainda persiste a dúvida de qual seria o crime a ser atribuído a Waack: racismo (previsto na Lei 7.716/1989 e que é caracterizado pelo preconceito contra a coletividade dos negros); ou injúria racial (prevista no Código Penal, quando há uma ofensa dirigida a uma pessoa específica).

É justamente sobre essa tipificação que trata a maioria dos projetos de lei em tramitação na Câmara que pretende combater o preconceito racial. Isso porque a tipificação do crime é importante em função da punição prevista. O crime de racismo tem penas mais duras: de até 5 anos de prisão; contra uma punição de no máximo 3 anos no caso da injúria racial.

Como a legislação brasileira prevê que pessoas condenadas a menos de 4 anos não sejam encarceradas e cumpram outros tipos de medidas punitivas, na prática ninguém é preso no Brasil por injúria racial – o que pode não ocorrer em casos de racismo. Ou seja, se Waack fosse processado por injúria, não seria preso mesmo se fosse condenado. Mas ele eventualmente poderia ser encarcerado se a tipificação fosse por racismo.

Além disso, o racismo é imprescritível e inafiançável. As penas não prescrevem e o acusado, se for preso em flagrante, tem de responder ao processo detido. Isso não acontece nos casos de injúria.

Em geral, casos de xingamento e manifestações verbais ofensivas são enquadrados como injúria. O racismo costuma ser caracterizado quando a pessoa toma uma atitude que prejudica toda uma coletividade de negros – tal como impedi-los de frequentar um ambiente aberto a brancos ou de serem contratados por uma empresa.

Nesse sentido, o caso do jornalista da Globo se enquadraria mais como injúria. Ele foi ofensivo, mas não limitou direitos dos negros – embora tenha ofendido a todos eles.

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Projeto quer equiparar a injúria racial ao racismo

Com o objetivo de combater a discriminação no país, uma das propostas em tramitação no Congresso pretende acabar com a distinção entre o xingamento racial e o racismo em si. O projeto de Lei 3.640/2015, do deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), transfere a injúria racial para a lei que trata do racismo e a torna equivalente a esse crime para efeito de punição.

Segundo o projeto, dependendo do caso, quem cometer injúria racial poderia ser punido com até cinco anos de prisão. Isso abriria a possibilidade concreta de cadeia para o condenado por xingamento racial. Nesse caso, seria indiferente se William Waack fosse processado por racismo ou injúria; ele iria correr o risco de ser preso nas duas situações.

O projeto de Damous tramita em regime de urgência e, teoricamente, pode ir a votação no plenário da Câmara a qualquer momento.

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Proposta pretende tornar o racismo crime hediondo

Outra proposta em tramitação na Câmara tornaria a situação de Waack ainda mais complicada, caso ele fosse condenado criminalmente por racismo. O Projeto de Lei 7663/2014, de autoria da deputada Benedita da Silva (PT-RJ), classifica como hediondos “os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” previstos na lei que tipifica o racismo.

O enquadramento como crime hediondo agrava as punições previstas para os condenados: o cumprimento da pena inicialmente tem de ser em regime fechado e há mais dificuldade para se conseguir a progressão ao regime semiaberto.

A injúria racial não se transformaria em crime hediondo com esse projeto (apenas o racismo). Mas a ofensa verbal preconceituosa poderia ser um crime hediondo se os projetos de Benedita e Damous forem aprovados em conjunto.

A proposta de Benedita, ao contrário do projeto de Wadih Damous, não tramita em regime de urgência.

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A Globo responsabilizada e até mesmo fechada? Projeto de lei permitiria que isso ocorresse

A Rede Globo também poderia vir a ser responsabilizada pelo comportamento de William Waack. Outra proposta em tramitação na Câmara institui a responsabilidade penal de empresas cujos funcionários cometam o crime de racismo enquanto eles estiveram trabalhando – o comentário do jornalista da Globo foi feito em ambiente de trabalho.

A pena prevista pelo projeto é de multa (na primeira infração), proibição de funcionamento da empresa pelo prazo de 6 meses a 1 ano (em caso de reincidência) e fechamento definitivo (no terceiro caso). Pelo texto da proposta, as empresas serão obrigadas a manter internamente programas de combate ao racismo.

A proposta foi apresentada originalmente pelo ex-deputado e hoje senador Paulo Rocha (PT-PA), em 1999. Atualmente, o Projeto de Lei 27/1999 tramita na Câmara como um substitutivo de Pastor Manoel Ferreira (PTB-RJ).

E tem mais: punição para torcedores preconceituosos pode atingir o jornalista?

Há ainda outros projetos em tramitação na Câmara que tentam endurecer a punição de casos de preconceito racial que atinjam não apenas uma pessoa, mas uma coletividade.

O Projeto de Lei 1.749/2015 – dos deputados Bebeto (PSB-BA) e Tia Eron (PRB-BA) – cria o crime de injúria racial coletiva, definida como a ofensa “praticada em locais públicos ou privados abertos ao público de uso coletivo ou nas redes sociais”. E esse tipo de injúria, de acordo com a proposta, seria equiparado ao crime de racismo por ofender não apenas uma pessoa, mas um segmento social inteiro.

O caso de William Waack pode ser visto como uma ofensa a todos os negros – embora possa haver dúvidas se o texto da proposta pudesse ser usado para incluir essa situação. Originalmente, o projeto pretendia coibir xingamentos racistas em ambientes como os estádios de futebol. Segundo a justificativa dos parlamentares, nessas situações, torcedores preconceituosos que xingam jogadores não ofendem apenas o alvo de sua ofensa, mas toda a coletividade de pessoas que são representadas por eles.

O projeto, da forma como está escrito, também promove a equiparação de injúria racial ao racismo quando as ofensas ocorrerem na internet. Em tese, se o projeto for aprovado, xingamento racial na internet seria considerado racismo e seu autor poderia ser preso.

A proposta de Bebeto e Tia Eron tramita em regime de urgência na Câmara.

Outra proposta para vigiar o mau comportamento do torcedor

Também há na Câmara outra proposta para coibir o preconceito racial nos estádios e em outros ambientes em que se realizam competições esportivas. Mas esse projeto trata apenas desses casos e não poderia afetar uma situação como a de William Waack.

A proposta altera o Estatuto do Torcedor, proibindo que pessoas condenadas por injúria racial em ambiente esportivo frequentem estádios e ginásios por até cinco anos. A proposta tramita como um substitutivo da deputada Rosangela Gomes (PRB-RJ) ao Projeto de Lei 7383/2014, do deputado Alceu Moreira (PMDB-RS).

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