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Muito antes de se falar em “canção de protesto”, Billie compôs “Strange Fruit”, um tema em que jogava toda a sua indignação diante das injustiças sociais e do racismo | Divulgação
Muito antes de se falar em “canção de protesto”, Billie compôs “Strange Fruit”, um tema em que jogava toda a sua indignação diante das injustiças sociais e do racismo| Foto: Divulgação

Uma gota de sangue em cada canção

Billie Holiday fez sua primeira gravação numa segunda-feira, 27 de novembro de 1933. Na sexta-feira anterior, no mesmo estúdio da Columbia, na Quinta Avenida, 55, em Nova Iorque, a cantora Bessie Smith fazia sua última gravação. Foi uma passagem de tocha emblemática, da Imperatriz do Blues para aquela que se tornaria a grande diva do jazz.

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Os últimos dias de Lady Day

A agonia final de Billie Holiday começou às três horas da manhã de 15 de março de 1959, quando Lester Young morreu num quarto de hotel no centro de Nova Iorque. "Estas mortes acontecem em trios", comentou ela durante o enterro. Mencionou outro músico morto recentemente e disse: "Eu vou ser a número três." Não era apenas o parceiro de vida e de música que desaparecia, era a alma irmã de Billie. Lester a tinha acompanhado ao saxofone há pouco mais de um ano, no programa da TV CBS The Sound of Jazz, um reencontro comovente imortalizado em vídeo. Meses antes, ela confidenciou ao guitarrista John Collins, na Califórnia: "John, estou cansada dessa merda toda. Tentei me livrar das drogas e não consegui. Não sinto mais prazer em trepar, nisso e naquilo, não sinto mais prazer em nada."

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Diana Ross viveu a cantora no cinema

A vida trágica de Billie Holiday foi levada ao cinema em 1972 no longa-metragem O Ocaso de uma Estrela (Lady Sings the Blues, baseado na autobiografia da artista), de Sidney J. Furie. Produzido por Berry Gordy, fundador da gravadora Motown, serviu como veículo para a cantora Diana Ross, sua contratada que se lançava em carreira-solo depois de dezenas de sucessos como integrante do grupo vocal The Supremes.

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CDs e DVDs

Confira o que há de melhor da cantora no mercado nacional e internacional

CDs

The Quintessential Billie Holiday, 1933-1942 – Nove CDs da série CBS Jazz Masterpieces/Columbia-Sony Music

Billie Holiday: The Complete Commodore Recordings – Dois CDs, compilação da GRP Records.

Billie Holiday: The Decca Years, 1944-1950 – CD da BMG Ariola (hoje Sony BMG).

The Complete Billie Holiday on Verve: 1945-1959 – Caixa com dez CDs da Verve

Billie Holiday: Lady’s Decca Days – Dois CDs da MCA Records.

Billie Holiday: Billie’s Blues – CD da Blue Note.

Billie Holiday: Lady in Satin – Gravações com Ray Ellis e sua orquestra, fevereiro de 1959. CD da Columbia/Sony Music.

Billie Holiday: Last Recording – CD da Verve, com Ray Ellis e sua orquestra, gravações de março de 1959.

DVDs

Lady Day: The Many Faces of Billie Holiday (1991) – Dirigido por Mattew Seig. Com Billie Holiday, Carmen McRae, Ruby Dee, Annie Ross, Mal Waldron, Milt Gabler, Buck Clayton, Harry Sweets Edison.

The Ladies Sing the Blues. Billie Holiday (1989)

The Long Night of Lady Day(1984) – Produção da BBC, direção de John Jeremy, com Carmen McRae, Leonard Feather, Artie Shaw, John Hammond, Norman Granz.

Monterey Jazz Festival: 40 Legendary Years (1998) –Com 80 minutos, inclui apresentações de Billie Holiday, Louis Armstrong, Count Basie, Joe Williams, Thelonious Monk e outros.

The Sound of Jazz (1957) – DVD de uma hora reproduzindo o programa da CBS TV que foi ao ar em 8 de dezembro de 1957.

New Orleans (1947) – Filme dirigido por Arthur Lubin, estrelado por Arturo de Córdova, Dorothy Patrick, Billie Holiday, Louis Armstrong, Woody Herman e orquestra, Meade Lux Lewis e outros músicos de jazz.

"Já me disseram que ninguém era capaz de cantar as palavras ‘fome’ ou ‘amor’ como eu. Talvez porque nunca pude esquecer o que estas palavras significam. Todos os Cadillacs e casacos de pele do mundo, e tive alguns, não chegam a compensar o que sofri, ou me levar a esquecer. Tudo o que aprendi em todos aqueles lugares e com todas aquelas pessoas está resumido nestas duas palavras. Você precisa ter um pouco de comida e um pouco de amor em sua vida antes de ser obrigada a se perfilar e ouvir um maldito sermão sobre como deve se comportar."

Assim Billie Holiday [cuja morte 50 anos dia 17 de julho] definiu sua arte na autobiografia Lady Sings the Blues. Billie nasceu Eleanora Fagan, em 7 de abril de 1915, e cresceu pobre na aristocrática Baltimore, cidade de brancos ricos. A frase que abre seu livro é típica do humor irônico: "Mamãe e papai eram apenas duas crianças quando se casaram. Ele tinha 18 anos, ela 16 e eu três." O pai as abandonou, queria ser músico a todo custo, e acabou sendo, como guitarrista de uma banda itinerante.

A vida começou cedo para Billie. Antes e depois da escola, era menina de recados, babá e lavava os degraus de mármore das casas de Baltimore. A "vida" também começou cedo para Billie: faxineira de bordel, foi estuprada, ainda pré-adolescente. Mas aprendeu a se virar: "Alice Dean tinha um bordel perto da nossa casa e eu levava recados para ela e para as garotas. Quando chegava a hora de me pagar, eu dizia a Alice que podia ficar com o dinheiro se me deixasse ir até sua sala de visitas e ouvir Louis Armstrong e Bessie Smith na vitrola".

Billie e a mãe amargaram a depressão econômica em Nova Iorque. Um dia, ameaçadas de despejo, Billie saiu desesperada pelas ruas do Harlem. "Estava cheia desse negócio de piranha. Também não queria ser empregada doméstica de ninguém." Entrou numa boate chamada Pod’s and Jerry’s e pediu emprego a Jerry. Aceitou testá-la como dançarina: foi um fracasso. Então o pianista perguntou; "Ei, garota, você sabe cantar?" E Billie: "Claro que sei cantar, mas pra que serve isso?" Ela explicaria: "Gostava demais de cantar para pensar em ganhar dinheiro com aquilo. Pedi ao pianista que tocasse ‘Travelin’ All Alone’. Era o que mais se aproximava do meu estado de espírito. A boate inteira ficou em silêncio. Quando terminei, todo mundo estava chorando no copo de cerveja. Ao sair, dividi a féria com o pianista e ainda levei para casa US$ 57."

Naquela noite – uma data que nem a própria Billie soube definir ao certo – nascia não só a maior cantora de jazz de todos os tempos, mas também a lenda de Lady Day. Quando começou a cantar em boates, Billie fazia a ronda de mesa em mesa. Esperava-se que as cantoras "fisgassem" a gorjeta: o cliente embolotava uma nota de dinheiro e a colocava numa quina da mesa. A cantora se aproximava, levantava a saia e tinha de apanhar o dinheiro apertando-o entre as coxas – em certos casos, entre os lábios da vagina. Billie nunca se submeteu a este humilhante ritual. Cantava tão bem que as pessoas lhe davam o dinheiro na mão. Mas o sistema cruel a marcou, como outras formas de segregação que viu e viveu quando começou a excursionar com a orquestra de Artie Shaw.

As platéias não admitiam mistura racial em grupos musicais. Billie teve problemas apresentando-se com a orquestra de brancos de Artie Shaw, e também quando excursionava com a orquestra negra de Count Basie. Sua pele pálida, acentuada pelos refletores, dava a impressão de que era branca. Muitas vezes ela teve passar graxa no rosto para escurecê-lo e "passar por negra".

Autodidata, Billie não sabia ler música; modificava as letras e, não raras vezes, as reescrevia para melhor. "Não aguento cantar a mesma música do mesmo jeito duas noites seguidas." E Henry Pleasants sintetizou: "Sua maneira de abordar uma canção consistia em desmontá-la, para depois remontá-la à sua própria imagem."

Muito antes de se falar em "canção de protesto", Billie compôs um tema em que jogava toda a sua indignação diante das injustiças sociais e do racismo. Foi "Strange Fruit", baseada num poema do militante esquerdista Abel Meeropol, que escrevia sob o pseudônimo de Lewis Allen.

O "estranho fruto" que pende de uma árvore na paisagem do "galante Sul" dos Estados Unidos, é nada menos do que o corpo de um negro linchado e enforcado. Em 1939, a canção não só abalou platéias bem comportadas, como foi vetada pela Columbia e proibida pela maioria das rádios.

Racismo, desamor, conflitos familiares, casamentos falidos, empresários desonestos, policiais corruptos, o inferno da bebida e das drogas – Billie teve de passar por tudo isso para deixar sua marca na música do século 20. "Tento improvisar como Lester, como Louis Armstrong, ou qualquer outro que admiro." De todas estas influências, o estilo cool do saxofonista tenor Lester Young foi fundamental para o estilo de Billie. Os dois viveram uma autêntica love story musical.

A grande tragédia é que Billie Holiday tinha pleno conhecimento da sua condição: "Você não é ninguém nos Estados Unidos até morrer. A partir de então, você é a maior." Diante desta verdade, só lhe restou uma coisa: cantar. Cantar até o fim.

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Na internet

Assista a grandes momentos de Billie Holiday no YouTube

"Foolin’ Myself" - http://www.youtube.com/watch?v=zYweZoTvvE8&feature=related

"I Loves You Porgy" - http://www.jazzonthetube.com/videos/billie-holiday/i-loves-you-porgy-1.html

"Fine and Mellow", composição da própria Billie, do especial de tevê da CBS, gravado em 1957. - http://www.jazzonthetube.com/videos/billie-holiday/fine-and-mellow.html

"The Blues Are Brewing" (com Louis Armstrong) - http://www.youtube.com/watch?v=bWtUzdI5hlE&feature=related

"My Man" - http://www.youtube.com/watch?v=IQlehVpcAes&feature=related

"Strange Fruit" - http://www.youtube.com/watch?v=h4ZyuULy9zs&feature=related

"Farewell to Storyville" (do filme New Orleans, 1947) (com Louis Armstrong) - http://www.youtube.com/watch?v=gLHCR0OTqhs&feature=related

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