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Entra e sai semana, algo quase imperceptível chama atenção na programação de cinema: o fenômeno argentino Relatos Selvagens continua em cartaz em Curitiba. Daqui há duas semanas, quando deixará definitivamente a sala do Cineplex Batel, ele completará exatos seis meses em exibição. A cópia em 35 mm foi projetada tantas vezes que já precisou ir para o laboratório ajeitar os ruídos.

Ele também se manteve com o segundo lugar intocável na bilheteria do Cineplex. Na Argentina, é considerado o maior fenômeno cinematográfico até hoje: 3,5 milhões de espectadores. Recentemente, também voltou a ser notícia por um motivo triste: o acidente com o avião da Germanwings fez com que cinemas da Inglaterra passassem avisos antes das sessões, alertando sobre as similaridades entre o acidente e a primeira cena do longa.

SERVIÇO

Relatos Selvagens

Cineplex Batel (Al. Dom Pedro II, 225), (41) 3222-4484. Sessões às 16h20 e 20h45. Classificação indicativa: 16 anos.

3,5 milhões

É o montante da bilheteria que Relatos Selvagens atingiu na Argentina, número considerado altíssimo levando em conta o tamanho do país. Antes dele, o último grande êxito foi O Segredo dos Seus Olhos (2009), de Juan José Campanella, que fez público de 2,4 milhões.

“Me parece que o espectador brasileiro deseja muito ver essa realidade na tela do cinema, e se assombra quando um país com uma cultura tão próxima da nossa consegue narrá-la tão bem, conquistando público e crítica, quando nós no Brasil ainda não conseguimos fazê-lo”

Mariana SanchezJornalista e tradutora, especialista em cinema argentino

“Só não vamos continuar a exibir Relatos por causa da cópia. É um filme que agrada muito o nosso público, que se interessa por filmes mais alternativos. Com certeza, ficaria mais dois meses em cartaz, e teria público”, aposta a assistente de diretoria do Shopping Novo Batel, Michele Francis Mandelli.

A indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e a presença do ator Ricardo Darín são alguns fatores que, de acordo com Michele, fez com que espectadores procurassem a sala. Entretanto, a produção teve êxito muito antes da nomeação, e chegou ao país respaldado pelo sucesso no país vizinho, lembra a jornalista e tradutora, especialista em cinema argentino, Mariana Sanchez, que viu o filme na Argentina em setembro de 2014, em uma sala da Avenida Corrientes, em Buenos Aires.

Então, quais fatores podem explicar a procura pelo filme, mesmo depois de tantos meses na estreia? Afinal, o longa, relembra Mariana, não é de um diretor conhecido (Damián Szifrón), e também não é “mais um filme com Ricardo Darín” – ele estrela somente uma das histórias. Há algo que elucide a nossa identificação com o engenheiro Simon, sempre estressado com a burocracia cotidiana, ou com a noiva Romina, que tem o seu dia de fúria no próprio casamento?

Possibilidades

Há alguns palpites para a adoração pelo filme, que nos diverte e aterroriza na mesma medida. Mas o principal é que as seis narrativas apresentadas retratam diferentes formas de violência, tema muito presente na cultura latino-americana, frisa Mariana. “Nos reconhecemos naquelas histórias, nas injustiças sociais, na luta de classe, na fúria passional, na vingança, nos abusos do estado. Creio que o filme funciona não só por seu roteiro perspicaz, pelas atuações impecáveis e a originalidade do seu formato, mas sobretudo pelo poder terapêutico de efeito catártico que produz em nós, latino-americanos, que vivemos tão à flor da pele nos últimos tempos –e, no Brasil das eleições de 2014, nunca estivemos tão raivosos”, opina.

Fora que, de acordo com Mariana, há um interesse maior pela cinematografia dos hermanos a partir dos anos 2000, quando, mesmo em meio a uma grave crise político-econômica, o cinema argentino viveu uma revolução formal, temática e narrativa, impulsionada por trabalhos de Lucrecia Martel e Pablo Trapero, por exemplo. “Desde então, elogiar a qualidade das produções argentinas virou moda por aqui, onde as grandes bilheterias costumam vir de comédias globais, filmes infantis e blockbusters norte-americanos.”

Para o cineasta e dramaturgo Paulo Biscaia filho, o ponto mais sedutor é a universalidade do tema. “Falar da ausência de valores da humanidade gera uma comunicação com qualquer pessoa. Outra coisa muito interessante é que o cinema da argentina mantém a essência de sua cultura com assuntos universais.”

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