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 | Ricardo Humberto/Especial para a Gazeta do Povo
| Foto: Ricardo Humberto/Especial para a Gazeta do Povo

O grande, o imenso, o enorme J.M.W. Turner, maior pintor da história da humanidade antes do enorme, do imenso, do grande Cy Twombly (Hipérbole? Eu?) dizia que nunca recusava um erro. Que qualquer pincelada fora do lugar necessariamente acabava virando uma coisa nova, em torno da qual ele podia trabalhar.

O grande (etc, etc…) Jimi Hendrix dizia que se num solo você toca uma nota errada, uma nota que não pertence à escala prevista e que, portanto, soa dissonante, você nunca pode fugir correndo, esperando que ninguém perceba o escorregão. Que você tem é que se demorar, seguir em frente e, se possível, basear os próximos compassos naquela nota. Transformar o deslize numa idiossincrasia.

Experiência própria: funciona.

Mas o meu negócio aqui, hoje, é menos artisticamente profundo.

Eu queria era falar de canudinhos e fios elétricos. Mas o espírito (creia em mim!) é basicamente o mesmo.

Quando eu era pequeno, eu achava que era feio a gente fazer aquele barulho de aspiração quando chega no finzinho do copo, ou da garrafa, e o canudo chupa, junto com a rapa do líquido (pode falar “rapa” do líquido?) um monte de ar. Chuptrchprhurhhh!

Era uma coisa a se evitar na boa sociedade curitibana. Ao menos.

Aí um dia um colega de universidade, hoje professor doutor titulado pela grande (etc…) universidade de Oxford, numa conversa num café menciona que achava esse barulho divertido. E que curtia fazer e também ouvir quando os outros faziam.

Eu posso ser mané, mas aquilo foi uma experiência estética à la Victor Hugo pra mim. Tipo o Grotesco e o Sublime mesmo. Quem que disse que aquilo era feio? Por que que eu achava feio? Quer saber, era um barulhinho bacana!

O grande (nhenhenhé) compositor Luciano Berio dizia que música é tudo que as pessoas ouvem com a intenção de ouvir música. Eu sempre adorei, por exemplo, rangidos de portão.

Depois daquela conversa com o Alessandro, barulhos de canudos entraram pro meu repertório de prazeres.

Outro dia, uns quinze anos depois, a minha filha, no carro, me diz de repente que achava lindo ficar vendo aquelas linhas emaranhadas dos cabos elétricos nos postes. Sempre por cima da paisagem, sempre criando uns padrões divertidos.

Peraí. Era outra coisa que eu estava acostumado a achar feia. Tão mais civilizadas aquelas cidades em que os cabos ficam tudo enterradinho.

Mas, quer saber, na hora que ela falou a mesma ficha canudínhica me caiu. Aquilo era uma nota fora da escala, definitivamente, mas não precisava ser uma coisa feia.

Hoje, com a maturidade total que eu atingi subitamente na véspera do meu aniversário de quarenta anos (eu sou assim: precoce), eu tenho raras oportunidades de tchupthrurrar canudinhos. Mas a imagem de fundo do meu telefone é um recorte de uma foto de uma manhã de sol, no litoral, na frente da casa do meu sogro.

Céu, mar, e três grossos cabos de telefone que dão vida, total, àquela imagem turneriana.

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