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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Há exatos dez anos, em 5 de abril de 2005, morria em sua casa na pequena cidade de Brookline, em Massachusetts (EUA), o escritor Saul Bellow.

No âmbito da literatura, pode-se afirmar que sua morte foi o desfecho tardio do século 20. Nascido no Canadá e radicado nos EUA, Bellow foi o autor que melhor soube retratar seu tempo, descrevendo as loucuras e angústias em larga escala que marcaram o século passado.

Para quem quer entender o período, está tudo lá, em seus livros (ainda que sob seu filtro bastante pessoal e até um tanto elitista): as duas guerras, a vida no mundo pós-Holocausto, a recepção das principais teorias europeias na academia americana como a psicanálise, a antropologia e o marxismo.

Há também o exame da vida urbana pós-industrial nos anos 1960 e 70, com a degradação dos centros das grandes cidades, a mobilidade étnica entre os bairros, a violência das disputas raciais. O início da era das celebridades e o fim da guerra fria.

Para Philip Roth, herdeiro atual do posto de “maior escritor americano”, Bellow desenhou, ao lado de William Faulkner, “a coluna vertebral da literatura americana do século 20”.

Relendo o século 20 com os livros de Saul Bellow

Durante seis décadas os livros do escritor ajudaram a traçar um panorama histórico e psicológico do século passado:

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No dia 10 de junho, se completam cem anos do nascimento do autor. A efeméride vai movimentar o mercado editorial com lançamentos nos Estados Unidos e no Brasil. A releitura de Bellow traz à mesa a pergunta: qual é a importância de sua obra?

Nos EUA, já foram relançados em um único volume todos os seus ensaios e demais obras de não ficção. Para o crítico literário inglês James Wood, no entanto, Bellow escrevia não ficção “com a mão esquerda”, pois era essencialmente um romancista.

No Brasil, a Companhia das Letras, que publicou desde os anos 1990 alguns dos principais romances do autor, convocou a dupla de tradutores curitibanos, os irmãos Caetano e Rogério Galindo (ambos colaboradores da Gazeta do Povo) para traduzir quatro novelas escritas nas décadas de 1980 e 90.

Editor do projeto, o escritor Leandro Sarmatz afirma que os textos são uma espécie de “bonsai de Bellow”, pois sintetizam a “linguagem mesmerizante, o pensamento luminoso, a visão sardônica da humanidade”.

Para ele, Bellow segue relevante, em especial pela fruição da leitura dos textos que, mesmo em tradução, são “musicais, expressivos, e frequentemente divertidos” ao contrapor o intelectual ao homem da rua e de seu tempo.

“A voz de Bellow é uma das grandes invenções da língua inglesa moderna. Filho de imigrantes e homem cultivado, com herança religiosa e linguística do Velho Mundo, Bellow modulou um estilo que traz, a um só tempo, o inglês shakespeariano, a voz das ruas daquela Chicago de Al Capone, o discurso universitário, ecos do iídiche”, enumera.

Sarmatz ressalta que é também em Bellow que aparece, pela primeira vez na literatura dos EUA (o que teria influência em outras literaturas), a voz de um judeu querendo emancipar-se dos velhos laços que o prendiam à “tradição”.

“Ele “libertou” o personagem judeu americano das idealizações sentimentais, tirou-o de certo altar e o inseriu diretamente no confuso e movimentado século americano”, avalia. Ao provocar essa ruptura, Bellow abriu caminho para escritores mais radicais como Philip Roth, que daria um tratamento realista (e tragicômico) para aqueles filhos e netos de imigrantes, posicionando-os no cenário americano contemporâneo.

Professora do mestrado em Teoria Literária da Uniandrade, Sigrid Renaux é uma das principais estudiosas de Bellow no Brasil. Em 1978, ela escreveu tese de doutorado na Universidade de São Paulo estudando “A Visão Carnavalística do Mundo de Bellow em Henderson, o Rei da Chuva”.

Seis anos depois, ela o visitou na Universidade de Chicago para apresentar o trabalho e encontrou um personagem “extremamente simpático e, assim, mantivemos um diálogo leve e divertido”, diz Sigrid.

Nobel

Bellow ganhou o Nobel em 1976, depois de ter amealhado a maioria dos prêmios literários importantes nos EUA, país para o qual se mudou em 1925, depois de ter passado a infância em Montreal, no Canadá, onde nasceu em 10 de junho de 1915.

“Ele imediatamente comentou – após haver lido o título do trabalho – que agradecia eu não ter chamado de ‘a visão canibalística de Bellow’, fazendo um trocadilho com o fato de que o romance se passa na maior parte entre duas tribos africanas primitivas”, lembra.

Sigrid conta que ficou surpresa quando Bellow revelou que não tinha visitado a África para escrever o livro.

“Quem lê o romance, com todos os detalhes sobre os nativos africanos, seja em termos de descrição física, trajes, rituais e outras atividades, não acredita que isso é possível”, observa.

Bellow modulou um estilo que traz, a um só tempo, o inglês shakespeariano, a voz das ruas daquela Chicago de Al Capone, o discurso universitário e ecos do iídiche.

Leandro Sarmatz, editor e escritor.

Ela atribui isso ao talento de Saul Bellow de transformar informações antropológicas “numa descrição totalmente crível e convincente de nativos”.

A professora destaca também que Bellow não foi o único, mas sem dúvida está entre os autores que melhor souberam retratar a vida (pessoal e interior) do intelectual de classe média, o professor universitário, o sujeito que ganha seu pão a partir do pensamento.

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