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| Foto: Renato Parada/

Selecionado pelo programa Petrobras Cultural e editado pela Companhia das Letras, Turismo Para Cegos é o terceiro romance escrito pela professora Tércia Montenegro. Mas apenas o primeiro a ser publicado. Os outros, como ela mesmo diz, foram apenas esboços para a obra que salta aos olhos do leitor que às vezes (ou sempre) gosta de fugir do óbvio.

Especialista em contos e crônicas – já foram seis dos gêneros publicados, além e outros quatro livros infantis – a escritora conta como foi saltar de uma narrativa mais contida para um romance de mais de cem páginas, que cresce paralelamente à complexidade dos personagens.

Turismo Para Cegos é seu romance de estreia. O que é mais difícil: aprender a lidar com as artimanhas do gênero (até então você trabalhava com contos) ou lidar com a expectativa sobre como sua obra será recebida pelos leitores?

Acho que a técnica mesmo. Com essa questão da expectativa procuro não pensar muito. Uma vez publicado, o livro não depende mais de mim; o destino dele não é mais meu. A narrativa do romance é diferente. São coisas com fôlegos diferentes. Por se tratar de uma narrativa mais longa, a preparação de exercício é mais cansativa. Antes de publicar um conto existem aqueles textos que são exercícios só para ficar praticando. Uma coisa é fazer isso no conto, que vai até dez ou doze páginas. Se você produz um texto que não fica em condições de publicar, não tem tantos problemas. Agora o romance é um processo que demanda um investimento maior de disciplina. Essa foi a minha terceira tentativa [de romance].

Laila é uma das personagens mais contraditórias com quem me deparei. Ela impactante e indefinida. Afinal, quem é ela?

No livro, muita coisa acontece por impulso e o personagem vai ganhando um rumo que eu não previ. A ideia é que ninguém seja o que parece ser. À primeira vista, Laila é uma pessoa que vai ficando cega e você pensa “Coitadinha!”. Mas o que ela não é é uma vítima. É vítima do corpo, mas em termos psicológicos não é. Ela tem um nível de crueldade, um poder de manipulação e sabe disso. Ao mesmo tempo, os outros personagens que são secundários, como o Pierre, ao longo da narra também vão mostrando mais discretamente certas profundidades. Ele também tem uma vida secreta. A narradora da história também. Acaba que todo mundo tem uma vida que passa para o outro e que não é a única vida. A mensagem do livro é: ninguém ali é o que parece ser, à primeira vista. É como se o leitor ficasse cego diante desses rótulos.

Livro

Turismo Para Cegos

Tércia Montenegro. Companhia das Letras, 224 páginas. R$ 34,90.

Você passou por algum laboratório para saber como é o mundo entendido e sentido por um cego?

Tudo começou quando eu fui voluntária num centro de assistência para cegos. Aí surgiu o título. A primeira coisa foi o título. Eu gosto muito de viajar e sempre refleti muito que esse grande prazer de contemplar as paisagens essas pessoas não tinham. Então comecei a fazer essa reflexão sobre essa coisa da sensação. A história, no começo, ia tratar de uma agência de viagens, com muitos cegos. E depois mudou o rumo. A Laila dominou. Eu também marquei várias consultas com oftalmologistas para perguntar aos médicos quais eram os sintomas da doença da Laila. E também fiz experiências como a narradora faz [caminhar com vendas nos olhos].

Por Turismo Para Cegos a gente deduz que você é uma escritora apegada aos detalhes, não apenas físicos, mas psicológicos também. Faz parte da sua personalidade como escritora prezar pela sensibilidade dos personagens?

Eu acho que sim. Na verdade nunca me interessei tanto pela ação. Eu sempre me interessei mais pelo efeito de uma ação, o que essa ação significa. Aqueles livros que são muito ágeis nunca me agradaram muito como leitora. Sempre precisei de um tempo. Prefiro a ação resumida em poucas coisas, mas que a sensação seja o mais importante.

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