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Explosão gerada por uma bomba de hidrogênio, muitas vezes mais poderosa que as que destruíram Hiroshima e Nagasaki | Departamento de Energia dos EUA/Reuters
Explosão gerada por uma bomba de hidrogênio, muitas vezes mais poderosa que as que destruíram Hiroshima e Nagasaki| Foto: Departamento de Energia dos EUA/Reuters

Nas últimas décadas, roteiristas e escritores exercitaram sua criatividade para bolar novos perigos capazes de acabar com a raça humana. Robôs, invasores de outros mundos e zumbis passaram a estampar os cartazes de filmes e capas de livros. No entanto, eles não precisariam ir tão longe. Uma velha ameaça, quase esquecida pela cultura popular, continua à espreita no mundo real: o desastre nuclear. Uma série de documentos divulgados nos últimos anos mostram que a humanidade esteve perto do Holocausto Nuclear mais vezes do que se pensava, e que o envelhecimento desse arsenal torna o perigo ainda maior.

Segundo estimativas da Federação dos Cientistas Americanos, ainda existem 15.350 bombas nucleares espalhadas pelo planeta — mais do que suficiente para extinguir a raça humana. A maior parte está sob controle dos Estados Unidos e da Rússia, que mantém cerca de 1.800 delas em estado de alerta, prontas para uso imediato. À primeira vista, pode parecer tranquilizador o fato de as bombas estarem sob controle de superpotências, mas não é bem por aí.

No livro “Comando e Controle”, publicado no Brasil pela Companhia das Letras no fim do ano passado, o jornalista americano Eric Schlossser fez um apanhado de trapalhadas e erros que aconteceram ao longo de décadas e quase levaram a desastres nucleares nos Estados Unidos. “Uma arma nuclear não destrói uma cidade desde agosto de 1945. Mas não há garantia de que essa sorte vá durar”, escreve o jornalista. “Com centenas de bombardeiros, mísseis e embarcações da Marinha preparados para atacar, o risco de acidentes e mal-entendidos esteve sempre presente.”

“Menos de 100% de segurança é inaceitável”

Usando a Lei de Liberdade de Informação do país, ele obteve um documento de 245 páginas detalhando centenas de casos de acidentes, envolvendo tanto falhas humanas quanto mecânicas, que quase levaram a uma explosão nuclear. Em janeiro de 1961, por exemplo, um avião que sobrevoava a Carolina do Norte se acidentou e deixou cair uma bomba de hidrogênio em pleno território americano. Quase todos os mecanismos de segurança da bomba falharam, com exceção de um simples computador de baixa voltagem. Foi apenas isso que impediu um desastre maior que o de Hiroshima, que devastaria cidades como Washington, Filadélfia e Nova York.

Por sorte, nenhum dos casos relatados terminou em desastre. “Mas as armas nucleares são a tecnologia mais perigosa já inventada. Qualquer coisa menos do que 100% de controle sobre elas, qualquer coisa aquém da segurança e confiabilidade perfeitas seria inaceitável”, escreve.

Outro estudo lançado pela organização inglesa Chatham House enumera algumas situações em que bombas atômicas não foram disparadas por muito pouco, quase provocando desastres históricos. Em um dos casos mais recentes, em 2007, um avião B-52 em uma base aérea da Dakota do Norte foi carregado com seis mísseis nucleares por engano. A tripulação e os comandantes não sabiam que, enquanto cruzavam tranquilamente o país, carregavam armas de destruição em massa.

Em 2013, o governo americano demitiu dois comandantes, com poder de decisão sobre as bombas, por má conduta. Um deles, por problemas de abuso alcoólico durante o serviço. O outro, por usar fichas falsas para apostar em cassinos. No mesmo ano, outros dois oficiais responsáveis por cuidar do arsenal atômico foram punidos por dormir em serviço, deixando a porta de segurança atrás de si aberta. O relatório conclui dizendo que esse tipo de risco pode aumentar no futuro.

Arsenal envelhecido

Um dos principais fatores que pode levar ao aumento desse perigo é o fim da Guerra Fria. Durante os anos 1950, 1960 e 1970, a corrida nuclear levou as grandes potências a investir pesado no desenvolvimento das armas e da infraestrutura para mantê-las em segurança. Desde o fim da União Soviética, o número de bombas despencou de 70 mil para as atuais 15 mil. O problema é que, enquanto Rússia e China se esforçam para manter sua tecnologia atualizada, Estados Unidos e Inglaterra relegaram seu arsenal. A maior parte das bombas têm quase 40 anos e as instalações remontam à década de 50. Algumas das portas de segurança rangem de ferrugem.

Um relatório divulgado pelo governo americano em maio mostrou que os sistemas usados para trocar mensagens emergenciais acerca das armas nucleares usa computadores IBM dos anos 1970. O equipamento é tão velho que aceita apenas disquetes de oito polegadas, capazes de conter só 237 KB de informação. Eles são maiores, mais maleáveis e mais antigos que os disquetes que as novas gerações conhecem pelo ícone de Salvar. “Achar peças de reposição para o sistema é difícil, porque elas estão obsoletas”, diz o documento do governo.

Na Inglaterra, quatro submarinos armados com bombas nucleares usam Windows XP em seus computadores. O sistema operacional não tem atualizações desde 2014, e, segundo a própria fabricante, está vulnerável à ação de vírus e invasores.

No começo de seu mandato, o presidente Barack Obama havia anunciado que trabalharia para diminuir o arsenal nuclear americano. Oito anos depois, isso ainda parece estar longe de acontecer. Agora, o relatório lançado pelo governo americano diz que os equipamentos obsoletos devem ser atualizados até 2020. Se a decisão for mesmo manter armas capazes de destruir a raça humana, que pela menos sua detonação não aconteça por acidente.

Quando vivemos em perigo

Cinco erros que quase levaram a humanidade ao desastre nuclear

Cuba, 1962

A Crise dos Mísseis começou quando a União Soviética tentou instalar armas nucleares em Cuba, a poucos quilômetros dos EUA, o que quase iniciou uma guerra nuclear. Durante a crise, dois acidentes por pouco não deram início à batalha. Em um deles, quatro submarinos nucleares soviéticos quase disparam ao perceber a ação de tropas americanas. Se tratava de um treinamento, que foi avisado aos soviéticos, mas a mensagem não chegou aos submarinos. Meses depois, falhas no equipamento de navegação levaram um avião americano a entrar em território soviético. O piloto só percebeu quando ouviu músicas russas na rádio, e deu meia volta. Por pouco não justificou o início de um bombardeio.

Nível de ameaça: 5

Estados Unidos, 1961

Um acidente com um avião B-52 que sobrevoava a Carolina do Norte lançou ao solo duas bombas de hidrogênio, dezenas de vezes mais potentes do que a disparada sobre Hiroshima. Por sorte, nenhuma delas detonou, mas investigações posteriores mostraram que todos os mecanismos de segurança das bombas falharam. Elas só não explodiram por conta de um computador de baixa voltagem, que deixou o interruptor desligado.

Nível de ameaça: 3

Espanha 1966

Um acidente com um avião B-52 que sobrevoava a Espanha derrubou quatro bombas de hidrogênio sobre a pequena cidade de Palomares, na costa do país. A maior parte dos sistemas de segurança funcionou e nenhuma explodiu. As tropas americanas acharam três das bombas rapidamente, mas a quarta levou seis semanas para ser encontrada. Ela estava no fundo do oceano e demandou uma enorme operação para ser resgatada antes de qualquer outro acidente.

Nível de ameaça: 1

Estados Unidos, 1979 e 1980

Em novembro de 1979, um sistema de alerta americano recebeu, por acidente, dados referentes a um cenário que simulava um ataque nuclear soviético. Uma resposta quase foi lançada, mas os americanos conseguiram antes acessar outros radares, mostrando que a informação era falsa. No ano seguinte, o mesmo sistema informou que os soviéticos haviam disparado 220 mísseis contra o país. Pouco antes da notícia chegar ao presidente, eles descobriram que se tratava de um alarme falso, causado por uma falha em um chip.

Nível de ameaça: 4

Rússia, 1995

Em janeiro, cientistas noruegueses lançaram um foguete para estudar as auroras polares no ártico. Os operadores de radar russos confundiram o sinal com o de um míssil nuclear disparado por um submarino. O presidente Boris Yeltsin recebeu a notícia e estudou a hipótese de retaliar o ataque, até descobrir que se tratava de um falso alarme, e que as autoridades russas já haviam sido avisadas sobre o disparo pelos próprios noruegueses.

Nível de ameaça: 3

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