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Jason Alexander no papel de George Costanza, um dos personagens da série noventista “Seinfeld”. | NBC/Getty Images
Jason Alexander no papel de George Costanza, um dos personagens da série noventista “Seinfeld”.| Foto: NBC/Getty Images

Tivesse pensado n’A Poética nos anos noventa, e não séculos antes de Cristo, Aristóteles certamente teria se atentado a certos detalhes corriqueiros do humor televisivo: câmeras plantadas, risadas gravadas e cenários verificados por um só ponto de vista. Como nas séries “Cheers”, “Friends”, “Seinfeld” e “Married With Children”, em que você nunca vê as quatro paredes de um cômodo, mas sabe exatamente quando rir, caso se perca atendendo o telefone. São as comédias de formato multicâmera, popularíssimas desde a década de setenta, enfraquecidas na televisão atual.

Facilmente reconhecível, tal estrutura especialmente abraçada pelo humor se concretizou no âmago popular. A praticidade da gravação, muitas vezes diante de uma plateia, favorece sua logística. Por meio das várias câmeras, planos diferentes de um mesmo cenário são tranquilamente capturados — todos os atores da cena, mais dois closes individuais, digamos. Aproxima-se do teatro filmado, ao contrário da câmera única, estilo de praticamente tudo a que você assiste exceto ao que estamos nos referindo nestes dois parágrafos.

Ainda que em desuso, comparando com vinte anos atrás, as comédias multicâmera estão longe de sumir. Volta e meia, seriados criados por Chuck Lorre (“Two and a Half Men”; “The Big Bang Theory”; “Mom”) dão as caras por aí. Além dele, ou além dessas, “How I Met Your Mother”, por exemplo, marcou território em suas nove temporadas. Por visarem a um apelo geralmente amplo, comédias multicâmera dificilmente são experimentais – uma palavra potencialmente canalha –, ou muito ousadas em sua abordagem cômica. São mais acessíveis, diretas — o que por si só não é nenhum demérito.

Diante de um público cada vez mais acostumado com episódios deslinearizados, recursos metalinguísticos e dramas engraçados, séries multicâmera perderam espaço para falsos documentários (“The Office”; “Modern Family”; “Parks and Recreation”) e produções de câmera única, padrão da indústria não-humorística, por assim dizer. Resistem alguns sucessos de audiência, como “The Big Bang Theory”, com popularidade absoluta.

Em claro (e às vezes injusto) desprestígio, o formato paga por sua execução apelativa: a falta de qualidade de recentes seriados multicâmera, somada ao desapego do público para com sua estrutura, geram resultados fúnebres. Sem as risadas gravadas, obras como “2 Broke Girls”, “Mike & Molly” e boa parte de “Two and a Half Men” se tornam tão engraçadas quanto um velório. Se, por um lado, é verdade que há séries ruins de todos os estilos possíveis, a limitação técnica do formato de várias câmeras impossibilita recursos, de direção ou edição, que disfarcem um roteiro questionável.

Há espaço para comédias multicâmera, como há espaço para comédias de câmera única. A evolução da mídia televisiva, no entanto, tem favorecido as aventuras do segundo caso, em que é possível tomar liberdades irreproduzíveis no formato de várias câmeras. Se o estilo cairá em desuso – como outros virão e cairão –, é difícil, talvez irrelevante, apontar. Mas não nos preocupemos: nada vai tirar a graça de “Seinfeld” por isso.

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