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| Foto: Andrea Marques/Divulgação

Mapa-Mundi

Um autora em trânsito

Chilena de nascimento, Carola Saavedra migrou com a família para o Brasil em 1976, quando tinha 3 anos. Mais tarde, ela viveu na Alemanha, Espanha e França. De volta ao Rio de Janeiro, publicou o livro de contos Do Lado de Fora (7Letras, 2005) e os romances Toda Terça (Cia. das Letras, 2007) e Flores Azuis (Cia. das Letras, 2009) – este, premiado como melhor daquele ano pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). Além de escrever ficção, Carola atua como tradutora. É sua a tradução do livro mais recente da alemã Herta Müller, Tudo o Que Tenho Levo Comigo. (LR)

Mural

Conheça um pouco sobre as principais autoras brasileiras contemporâneas:

Verônica Stigger

Escritora e crítica de arte gaúcha, nascida em 1973. Seu conto "Os Anões" saiu na revista americana Zoetrope: All-Story, em edição dedicada a latino-americanos. Publicou Trágico e Outras Comédias (7Letras, 2003), Grand Cabaret Demenzial (Cosac Naify, 2007) e Os Anões (Cosac Naify, 2010). Sobre ela: "Se existe alguma regra, é a da imprevisibilidade. O cotidiano é distorcido, deformado até. Rompe os padrões das ações dos personagens. Sua coleção de tipos esquisitos e/ou deslocados é extensa" (Thales de Menezes).

Tatiana Salem Levy

Nascida em Lisboa, em 1979, mas naturalizada brasileira, Tatiana Salem Levy venceu o Prêmio São Paulo de Literatura na categoria estreante, em 2008, com o romance autobiográfico A Chave da Casa (Record, 2007). Sobre ela: "Não existe um único lugar no mundo para a escritora: existem os múltiplos papéis de mulher, estrangeira, brasileira, turca, imigrante, judia, portuguesa. Cada um a seu tempo, e ao mesmo tempo" (Tereza Chaves).

Adriana Lisboa

A carioca acumula cinco romances publicados pela Rocco, entre eles, Sinfonia em Branco, pelo qual recebeu o Prêmio José Saramago, em 2003, Um Beijo de Colombina (2003), Rakushisha (2007) e Azul-Corvo (2010). Sobre ela: "Pelos olhos de uma jovem, a quem a escrita permite rever o tempo em que começava a deixar de ser jovem, testemunhamos que escrever é uma forma de perguntar pelo destino: o que foi e o que era para ter sido; o que não foi e era para ser definitivo" (Pedro Meira Monteiro).

Ana Paula Maia

Carioca, de 33 anos, identificada à literatura pulp, é formada em Publicidade e atua como tradutora. Publicou O Habitante das Falhas Subterrâneas (7 Letras, 2003), A Guerra dos Bastardos (Língua Geral, 2007), Entre Rinhas de Cachorros e Porcos Abatidos e O Trabalho Sujo dos Outros (Record, 2009) e Carvão Animal (Record, 2011).Sobre ela: "Ana Paula Maia descreve essas vidas miseráveis e brutalizadas com crueza, mas também com um lirismo insuspeito" (Jornal do Brasil).

Mariana Ianelli

Paulista, nascida em 1979, é poeta, crítica de literatura (colabora para o jornal Rascunho) e cronista (publica no site Vida Breve). Lançou, pela Iluminuras, os livros Trajetória de Antes (1999), Duas Chagas (2001), Passagens (2003), Fazer Silêncio (2005), Almádena (2007) e Treva Alvorada (2010). Sobre ela: "A poesia de Mariana Ianelli contrapõe, aos modismos contemporâneos, às elaboradas assonâncias, profundas ressonâncias artísticas e culturais. Trata-se de um corajoso retorno ao sagrado e às essências da humana condição" (Rachel Gutiérrez).

Carola Saavedra é a única mulher finalista das duas principais premiações literárias em curso. Paisagem com Dromedário, seu terceiro romance, concorre entre os dez indicados a melhor livro pelo Prêmio São Paulo de Literatura e entre os 50 do Prêmio Portugal Telecom de Literatura Portuguesa. É o reconhecimento à obra na qual a escritora aprofunda temas e experiências formais que já vinha testando.

No seu livro anterior, Flores Azuis (2009), Carola narra a separação de um casal por intermédio de cartas entregues ao destinatário errado. Em Paisagem com Dromedário, são as gravações feitas por Érika – uma artista plástica que se isolou após a morte da amiga com quem tinha uma relação controversa – e endereçadas a outro artista com quem as duas se relacionavam, o meio pelo qual se conhece a história de distanciamento amoroso e de reencontro com a própria identidade.

Na entrevista abaixo, a escritora comenta os meandros de seu universo literário.

Seus livros mostram a preocupação de apresentar forma e conteúdo como facetas inseparáveis da experiência de leitura. Como você as relaciona?

Eu busco um meio termo entre a narrativa tradicional, linear, e o "experimentalismo". Acho essencial contar uma história, construir personagens verossímeis, humanos, capazes de provocar o leitor seja pela identificação ou pela repulsa. Mas tenho uma preocupação muito grande com a forma escolhida, pois estou interessada em pensar o papel do escritor, do leitor, a função do narrador, as várias formas de contar uma história.

Você identifica uma proximidade da sua literatura com as artes visuais?

Todos os meus livros têm essa influência, porém, Paisagem com Dromedário dialoga de uma forma bem mais direta, já que é um livro, mas, também, uma instalação, que poderia, inclusive, ser reproduzida numa exposição, numa galeria.

Como se deu o processo criativo da relação entre forma e conteúdo no caso desse livro?

Eu tinha interesse em construir uma narrativa que se situasse na fronteira entre as diversas artes: literatura, artes plásticas, teatro. Ao mesmo tempo, queria trabalhar num registro que

transitasse entre a linguagem escrita e oral. O que se tem no livro são as gravações de Érika. Há um narrador que transcreve tudo isso e não sabemos se esse narrador é fiel ao material. Assim como na vida, nunca vamos saber se aquela versão que nos é contada corresponde à realidade (provavelmente não), e talvez nem exista essa realidade absoluta, talvez seja tudo apenas versão.

A sexualidade aparece em seus livros como zona na qual os personagens tornam físicas as dificuldades de relacionamento que já revelavam na esfera pública. Que papel o sexo desempenha na construção desses personagens?

O sexo é o lugar em que convivem sentimentos intensos e contraditórios, o prazer e a dor, o amor e o ódio, a vida e a morte. Vivemos numa sociedade que tende a banalizar o sexo, como se fosse simples, fácil e descartável. Mas não é, é algo que deixa marcas. O sexo, em meus livros, é ao mesmo tempo um apaixonamento intenso e uma história de terror. Porque é algo que nos aproxima do amor, é deixar que o outro te guie pelos terrenos mais assustadores, sabendo que se você se perder, será capaz de voltar sozinho. Os meus personagens, porém, não sabem se serão capazes de voltar. Então procuram formas de se proteger. Érika precisa de Karen para proteger-se de Alex, essa é a origem do triângulo.

Há em comum entre esses personagens uma inação inexplicável em momentos decisivos. Poderia falar um pouco sobre o que isso significa para você?

Não é função da literatura explicar o mundo, talvez tenha sido no passado, século 18, 19, quando ainda achávamos que o mundo era aquilo que éramos capazes de enxergar. Muito menos é função da literatura julgar, ditar regras morais ou de conduta. A literatura é apenas um olhar de quem aponta para algo específico e propõe um enigma. Em Paisagem com Dromedário, Érika é um mistério para ela mesma. Acho que Érika se torna mais interessante se eu permitir a cada leitor tirar suas próprias conclusões, como na vida.

Você declarou que Clarice Lispector seria sua "má-influência", aquela da qual é mais difícil se livrar. Pelo tanto que é citada e referenciada, seria Clarice a "melhor" e a "pior" influência para escritoras brasileiras?

Os grandes nomes da nossa literatura, Clarice, Guimarães Rosa, Machado de Assis, são "ilhas", ou seja, grandes escritores com obras que não permitem que a partir dali se instaure uma tradição. Ao contrário, por exemplo, da Argentina. Macedonio Fernández (só agora traduzido no Brasil) cria uma tradição, a partir dele surgem Borges, Cortázar, Ricardo Piglia, Juan José Saer. Clarice cria uma linguagem própria, ela habita esse mundo interior dela. Quando eu li Clarice pela primeira vez, fiquei muito impressionada, pensei: alguém está dizendo algo de que eu somente intuía a existência. Precisei realmente me afastar desse tipo de escrita para encontrar a minha própria voz.

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