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Ninguém sabe o que a Suprema Corte decidirá no que diz respeito à Lei do Sistema de Saúde Acessível. Mas após as audiências de hoje, parece bastante possível que a corte derrube o "mandato" – a exigência de que cada indivíduo pague pelo seu plano de saúde – e talvez a lei inteira. Remover o mandato faria com que a lei ficasse muito menos viável, e derrubá-la completamente resultaria em negar a cobertura de plano de saúde para 30 milhões ou mais de americanos.

Dada a situação, era de se esperar que os membros da corte tivessem muito cuidado ao falar tanto sobre as realidades do sistema de saúde, quanto sobre precedentes legais. Na realidade, porém, o segundo dia das audiências sugeriu que os juízes mais hostis a lei não compreendem, ou optam por não compreender, sobre como funciona o sistema. E o terceiro dia foi, de certo modo, ainda pior, uma vez que os juízes antirreformistas pareciam abraçar qualquer argumento, não importando o quão frágil fosse, que pudessem utilizar para acabar com a reforma.

Comecemos com o já famoso episódio em que o juiz Antonin Scalin comparou a compra do plano de saúde à compra de brócolis, com a implicação de que o governo pode lhe compelir a este último. A comparação horrorizou especialistas em cuidados de saúde em toda a América, porque seguros de saúde não se parecem nem um pouco com brócolis.

E por que isso? Porque quando as pessoas escolhem não comprar brócolis, elas não fazem com que brócolis se tornem indisponíveis para aqueles que o querem. Mas quando as pessoas não pagam por seguro de saúde até o dia em que ficam doentes – que é o que acontece na ausência de um mandato – a piora dos riscos que acontece, como resultado disso, faz com que, para os outros, o seguro se torne mais caro, e às vezes quase impossível de se pagar. Como resultado, o seguro de saúde não regulamentado basicamente não funciona, nem nunca funcionou.

Há pelo menos duas maneiras de se lidar com essa realidade – o que, a propósito, é uma questão que envolve comércio interestadual, e, por isso, uma preocupação federal válida. Uma seria taxar a todos – doentes ou não – e usar o dinheiro angariado para fornecer cobertura de saúde. É o que fazem o Medicare [programa de saúde nacional para indivíduos acima de 65 anos ou portadores de necessidades especiais] e o Medicaid [programa de saúde para famílias de baixa renda]. A outra seria exigir que todo mundo pagasse por seguro, ao mesmo tempo em que se auxiliasse aqueles que estão em condições financeiras difíceis.

Essas abordagens são fundamentalmente distintas? É aceitável exigir que as pessoas paguem por um imposto que financia cobertura de saúde, enquanto exigir que paguem por seguro é inconstitucional? É difícil de ver o porque disso – e não somos apenas nós, que não temos formação jurídica, que achamos estranha essa distinção. Eis o que Charles Fried – que foi o procurador-geral de Ronald Reagan – disse numa entrevista recente ao Washington Post: "Eu nunca entendi o porque dos regulamentos que fazem as pessoas pagarem por algo serem mais invasivos do que os regulamentos que as fazem pagar impostos para depois lhes devolver".

De fato, os conservadores costumavam gostar da ideia da compra obrigatória por ser uma alternativa aos impostos, que é o motivo pelo qual o mandato originalmente partiu não dos liberais, mas da ultra-conservadora Heritage Foundation (a propósito, outro projeto favorito dos conservadores – contas privadas que substituiriam a Previdência Social – depende, claro, de contribuições obrigatórias dos indivíduos).

Então, houve alguma mudança de verdade no pensamento legal aqui? Fried pensa que é só uma questão de política – e outras discussões nas audiências dão forte apoio a essa percepção.

Eu, particularmente, fiquei pasmo com a discussão sobre a dúvida sobre se a participação de um governo estadual numa expansão do Medicaid – uma expansão, a propósito, pela qual só seria emendada uma pequena fração da lei – constituía uma "coerção" inaceitável. Era de se imaginar que esta alegação fosse, por si só, evidentemente absurda. Afinal de contas, os estados têm o direito de não aderir ao Medicaid, se assim desejarem; o poder "coercivo" do Medicaid vem somente do fato de que o governo federal fornece auxílio aos estados que estão dispostos a seguir as diretrizes do programa. Se você me oferecer um monte de dinheiro, mas só se eu estiver disposto a realizar algumas tarefas, isso é servidão?

No entanto, vários dos juízes conservadores pareciam defender a proposta de que uma expansão de um programa através de fundos federais, da qual os estados escolhem participar por receberem auxílio federal, representa um abuso de poder, somente porque os estados se tornaram dependentes desse auxílio. A juíza Sonia Sotomayor parecia perturbada por essa afirmação: "Nós diremos ao governo federal que, quanto maior o problema, menor são os seus poderes. Porque, depois que você dá todo esse dinheiro, não pode estruturar o programa do modo como quiser". E ela tinha razão: É uma afirmação que não faz sentido – a não ser que o seu objetivo seja acabar com a reforma da saúde usando qualquer argumento em mãos.

Como dito, nós não sabemos como a situação prosseguirá. Mas é difícil não ter um mal pressentimento sobre isso – e a preocupação de que a fé já abalada da nação acerca da habilidade da Suprema Corte de se posicionar acima da política esteja próxima de sofrer outro golpe.

Tradução: Adriano Scandolara

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