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Alexandre Tombini, presidente do Banco Central. | Agência Brasil/Antonio Cruz
Alexandre Tombini, presidente do Banco Central.| Foto: Agência Brasil/Antonio Cruz

Desde a virada do ano, economistas que acompanham as contas públicas dedicam artigos a um tema árido: descrever como o Banco Central estaria emprestando dinheiro para o Tesouro Nacional, o que é proibido por lei no Brasil, tanto pela Lei de Responsabilidade Fiscal quanto pela Constituição.

Em dezembro, o tal repasse teria sido decisivo para quitar “pedaladas”, jargão usado para débitos protelados pelo Tesouro nos bancos públicos e autarquias. O governo negou a estratégia, mas levantamento de um grupo de economistas ligados ao Senado sustenta que a operação ocorreu.

Fazenda nega que recursos de resultados do BC tenham sido usados para ‘pedaladas’

O Ministério da Fazenda afirmou nesta sexta-feira (5) que o pagamento das chamadas “pedaladas fiscais” não utilizou recursos dos resultados positivos do Banco Central, registrados pelo Tesouro Nacional na fonte 0152. “Não se pode atribuir aos recursos transferidos pelo Banco Central ao Tesouro o conforto para pagamento dos passivos do Tribunal de Contas da União (TCU), tendo em vista o elevado montante existente na Conta Única, de R$ 604,5 bilhões, já descontados dos recursos transferidos pelo Banco Central”, diz em nota.

Segundo a Fazenda, o passivo se referia ao montante de R$ 72,4 bilhões e foi pago ao longo do ano de 2015, sendo que o passivo referido no Acórdão do TCU era de R$ 55,6 bilhões, e os restantes R$ 16,8 bilhões referentes às despesas do exercício de 2015.

O governo esclareceu ainda que a União terminou o ano de 2015 com R$ 881 bilhões em sua conta única no Banco Central, mesmo após ter pago os passivos mencionados pelo TCU em dezembro, no montante de R$ 55,6 bilhões.

De acordo com o documento, parte importante dos R$ 881 bilhões existentes na conta única em 31 de dezembro de 2015 foi construída pela emissão líquida de títulos em mercado naquele ano, em aproximadamente R$ 138 bilhões, o que inclusive possibilitou a ampliação do “colchão da dívida” para níveis equivalentes a seis meses de vencimento da Dívida Pública Federal em mercado.

“Tais emissões líquidas geraram conforto suficiente para a utilização dos R$ 21,1 bilhões, sem necessidade de recomposição desse montante por novas emissões de títulos em mercado”, afirma a nota.

Para eles, o remanejamento de R$ 50 bilhões do Banco Central foi indispensável para o governo fechar a conta e pagar as pedaladas. A sutileza da operação está no fato de o dinheiro do Banco Central não ter sido usado diretamente nas pedaladas. O que ocorreu foi uma triangulação de recursos.

A operação teria se dado da seguinte forma: utilizando duas Medidas Provisórias e quatro portarias, a maior parte emitida às vésperas das festas de fim de ano, o governo remanejou uma série de recursos públicos para poder pagar as pedaladas e, de quebra, cobrir um déficit na Previdência.

Nesse tira daqui, coloca para lá, cerca de R$ 54 bilhões que eram destinados ao pagamento da dívida pública em dezembro tiveram outro destino. Desse total, as pedaladas receberam R$ 21,1 bilhões, que saíram do chamado colchão de liquidez, que é uma espécie de reserva do caixa público. Outros R$ 21,8 bilhões, também do colchão de liquidez, e R$ 11,7 bilhões de remuneração da conta única - que também iriam para pagar dívida pública - foram transferidos para cobrir o déficit da Previdência.

Foi preciso, então, restituir o recurso destinado ao pagamento da dívida. Segundo os economistas que fizeram o levantamento, é nesse ponto que o dinheiro do BC se tornou indispensável.

Manobra

Há um detalhe importante: repasses do BC ao Tesouro precisam ser obrigatoriamente usados no serviço da dívida. Por coincidência, em dezembro, o Ministério do Planejamento emitiu uma portaria que abriu espaço para que o Tesouro tivesse acesso a R$ 103 bilhões de recursos do BC. E o Tesouro usou R$ 50 bilhões desse dinheiro.

“O que a gente constatou é que pegaram o dinheiro do colchão de liquidez, destinado à dívida, e pagaram as pedaladas; e para cobrir os juros e amortizações da dívida, eles usaram o dinheiro do Banco Central. Houve uma substituição de fontes de recursos”, diz Marcos Mendes, consultor legislativo do Senado, um dos integrantes do grupo que destrinchou o pagamento das pedaladas.

Procurado pela reportagem, o BC declarou, em nota, que havia sobra de recursos no colchão de liquidez, mas não negou a operação. O Ministério da Fazenda encaminhou nota onde negou o uso do dinheiro do BC nas pedaladas, mas também não abordou a questão da triangulação, considerada a peça-chave da operação.

“Não adianta: não há como negar que a contabilidade criativa e a pedalada ainda estão sendo usadas, porque está tudo registrado”, diz Felipe Salto, assessor econômico do senador José Serra, que também participou do estudo.

Leonardo Cezar Ribeiro, outro assessor do gabinete, seguiu o caminho do dinheiro para identificar o uso do recurso do BC. “As portarias, MPs e o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo, o Siafi, mostram a operação”, diz.

Também participaram do levantamento os economistas José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, e Marcos Köhler, também assessor de Serra. Os economistas também questionam a origem do dinheiro do Banco Central.

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